Um pouco atrapalhado ou a saga dos mirtilos

gustavo s de borba
3 min readJan 28, 2024

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Eu sou do interior, gosto de natureza, mas sempre que me aventuro em locais que não conheço, acabo tendo algum revés, algo inesperado acontece. Foi assim quando fui passear de caiaque com as gurias alguns anos atrás. Em um dado momento elas estavam andando e eu havia ficado de fora, para registrar esta aventura em fotos. Escolhi um local excelente, com a melhor vista, logo após uma curva, onde eu poderia vê-las antes de perceberem a pequena cascata que estava pela frente. Estava me preparando, andando em uma pedra gigante quando o caiaque da frente delas me avistou e o instrutor gritou “cuidado que essa pedra é li…”, antes que ele finalizasse o adjetivo descritor da pedra, eu compreendi. A pedra era bastante lisa, e no momento que meu pé direito derrapou pude ter a sensação de estar no ar alguns milissegundos e de lembrar de todas as propagandas de quedas estúpidas que eu já havia visto, antes mesmo de aterrisar com minhas costas no chão. Para elas, foi um momento de pavor, mas assim que levantei, um momento de muita risada. Fiquei com uma dor lombar por um tempo considerável.

Na virada do ano aconteceu algo bem diferente. Fomos para a serra, procurar um local calmo para refletir e descansar, enquanto o ano de 2023 terminava e passava a chama da esperança para 2024. As vésperas do ano novo resolvemos ir em um sitio para passear e ficamos bastante empolgados quando vimos que era possível colher mirtilos. Nos embrenhamos no mato e, enquanto a Aninha escolhia os melhores, assumi minha principal função nestes momentos: comecei a registrar em fotografia. Foram 4 minutos de fotos até eu me dar conta que minhas pernas estavam sendo devoradas por mosquitos famintos. Tudo coçava. Sai dali e fui para dentro da casa, contei 11 bolas vermelhas em minhas pernas. E tudo seguia coçando, cada vez mais.

Enquanto eu estava ali, uma senhora passou e disse:

- para quem não está acostumado, mosquito é um bicho muito ruim. E se tem alergia então, nem se fala.

Sim, era o meu caso: não estava acostumado e tenho alergia.

Aguardei a Aninha, que logo viu que algo estava errado, e voltamos para a cidade. Passei um creme nas pernas, e uma hora depois não sentia mais nada. A única coisa que lembrava o episódio era as marcas vermelhas, como se tivesse tido sarampo em determinadas regiões do corpo.

Registro estes dois fatos para mostrar que, além de um pouco desastrado, faço parte desse grande grupo que precisa não só se reconhecer como natureza, mas compreender que a natureza não está lá fora. A natureza não é um lugar que visitamos, é o nosso lugar.

Estou me acostumando com essa ideia e compreendendo a cada dia que os eventos aqui descritos tem muito mais relação com minha competência natural de ser um pouco atrapalhado do que qualquer outra coisa.

Um terceiro evento recente me mostrou isso.

Eu estava em casa, dentro do apartamento, tentando iniciar o processo de fazer uma batida de… mirtilo! Peguei o copo do liquidificador e ele, misteriosamente, escorregou de minha mão caindo na pia. A distância entre minha mão e a superfície de aterrisagem era de não mais de 15 centímetros, mas mesmo assim o vidro se quebrou em dezenas de pedaços. Alguns cacos voltaram para minha mão e comecei a ver o sangue se espalhando em três dedos. Por sorte foram pequenos cortes, mas o suficiente para eu me apavorar.

Esse evento me mostrou que não se trata de um problema com atividades out-door, tão pouco se trata de uma questão relacionada a lugares que não conheço. Talvez tenha alguma relação com mirtilo, não sei… Mas na realidade acho que está associado com um nível de atrapalhação inerente a este cidadão. Na realidade, algo dentro de mim que precisa ser melhorado. De qualquer forma, enquanto tento mudar, estou parando de comer mirtilos. Feliz 2024.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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