Treino para maratona

gustavo s de borba
2 min readMar 2, 2024

Enquanto eu corro, vejo a cidade estática.

Vejo os objetos urbanos em repouso, as lojas fechadas, os caminhos vazios. Mas a medida que o tempo passa, as dinâmicas sociais tomam conta do lugar onde vivemos. Vejo pessoas nas ruas em diferentes situações. O caminhar impreciso que leva a marca do dia a dia de cada um se mistura ao tempo em pausa daqueles que habitam as ruas. Muitos deitados, parados. Esperando algo que não chega. Um, dois, três pessoas em situação de rua, vulneráveis, em um trajeto de menos de um quilometro entre minha casa e o parque da redenção.

Na praça, alegria. Crianças, idosos, famílias, desfrutando de equipamentos urbanos que promovem o bem-estar.

Bem perto dali, a feira de orgânicos segue. Pessoas conversam, compram verduras para a semana, e passam por espaços para adoção de cachorros, conversam com vendedores de picolé, comem algodão doce, contemplam camisetas do Che Guevara e bonés do MST.

A poeira da redenção se transforma em parte do ar que respiramos com o calor intenso de mais de 33 graus.

Diferentes sons. Música, gritos, conversas.

O som de quem corre. Passos intensos, respiração ofegante, gemidos de dor. Mais um quilômetro.

Sempre que alguém passa por mim, penso em que momento do treino está. Quanto correu hoje, por que está correndo? Por que na redenção?

Passo por pessoas que parecem ter saído de uma festa. Cerveja na mão as 8 da manhã, caminham de mãos dadas no meio das árvores que definem uma linha paralela à Avenida João Pessoa e nos conduzem com sua beleza até o campus da Ufrgs.

Muitos caminhos se misturam. Espaços que promovem o encontro das árvores com as pessoas, ou do concreto com a vida, que passa quando cada um de nós está por ali e contempla o espelho d’água.

A intensidade do sol fica ainda mais forte. Já estou por aqui faz uma hora. Respiro mais profundamente quando estou entre as árvores e o espaço dos pedalinhos. Ali parece que o ar é mais limpo e a temperatura diminui um grau, pelo menos.

Mas a umidade não dá trégua.

Em cada passo, transpiro mais suor em resposta ao esforço físico e as condições climáticas. Transpiro muito mais do que em períodos de frio.

Doze quilômetros.

Estou quase no final do treino de hoje. Penso na viagem que tenho logo mais. Nos dois meses que ainda tenho para treinar antes da maratona.

Lembro de cada um dos treinos que fiz nesse período e me dou conta que correr já não é parte do meu dia, é parte de minha vida.

Nos dias que não corro, não vivo a cidade na intensidade que ela merece.

Quinze quilômetros. Por hoje é isso.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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