Sotaques
Hoje eu e a Aninha estávamos ouvindo um podcast da Rádio Novelo, que fala sobre o afundamento de Maceió, através de um relato histórico e temporal que mostra como isso tudo que vemos hoje foi previsto. Em outras palavras, aparentemente poderia ter sido evitado. Ouvir um programa como esse só enriquece mais um dia na ficção cotidiana que é viver em um país onde as pessoas, em geral, estão em segundo plano. Daria para revisitar a clássica frase atribuída a Maquiavel, em tons mais contemporâneos: para as empresas, tudo, para as pessoas, a lei.
Embora o podcast seja imperdível (coloco o link ao final do texto para quem quiser escutar) comecei a escrever este texto porque enquanto ouvíamos os relatos, a Aninha falou: seria legal tu escrever sobre os sotaques do Brasil. Prontamente respondi que era impossível. Primeiro, porque declaro minha ignorância: conheço poucos dos sotaques, e quando conhecemos poucos acabamos generalizando, definindo regiões, o que eventualmente pode levar a percepções errôneas. Um sotaque do Sul, por exemplo, pode ser definido a partir de algumas características gerais, mas as mesmas são limitadas quando olhamos para cada estado do Sul, ou para cada cidade destes estados. Teríamos que falar, pelo menos, da capital e do interior. E mesmo assim, seria impossível contemplar a riqueza dos sotaques do nosso país em um texto breve de 2 páginas.
Mas fiquei pensando nessa pergunta e em como a forma como falamos impacta a compreensão do que dizemos. Fiquei pensando no grande número de pessoas que conheço da área de linguística que poderia me dar infinitas aulas sobre isso. E depois de lembrar de diversos momentos, em lugares do nosso país, conversando com pessoas com diferentes sotaques, pensei em escrever sobre uma questão: como o jeito que falamos gera ou não empatia, engajamento na conversa, conexão com a história que estamos contando.
Pensei nisso, obviamente, a partir de um sotaque. Assim, peço licença para todos meus amigos de cada rincão do Brasil, para abraçar, momentaneamente, apenas um: o sotaque de Alagoas, de Maceió.
No podcast que ouvimos fomos envolvidos na história que nos foi apresentada. Isso porque esse sotaque tem algumas características que acabam gerando mais conexão. A palavra para mim que define o sotaque Alagoano é troca. Parece que quando alguém está falando contigo, já te convida para uma resposta, para uma troca constante de ideias. Uma troca de possibilidades, de afetos, de perspectivas, que acabam proporcionando novos caminhos para a nossa compreensão sobre algo. Claro que podemos amar, odiar, brigar, confraternizar, em qualquer idioma, com qualquer sotaque. Mas as vezes, parece que uma ou outra destas emoções e ações, fica mais confortável, dependendo do sotaque. Para o sotaque alagoano, o que sinto se resumo a essa ideia: a possibilidade de dar e receber, de informar e buscar informação, de olhar para alcançar para o outro a possibilidade da conversa e ouvir a sua perspectiva.
Pode ser que vocês pensem que estou dando muito valor e muito poder para um “simples” sotaque. Talvez sim, mas confesso que me sinto convidado para o diálogo, convidado para me engajar em uma conversa autêntica e cadenciada, quando escuto um sotaque Alagoano. E talvez isso facilite muito o engajamento e a possibilidade de pensarmos juntos coisas novas. Mas como escrevi anteriormente, podemos fazer isso com qualquer sotaque, basta querermos. Na realidade, sei que fazemos isso com todos os sotaques, mas me parece que precisamos nos lembrar do valor de um bom diálogo, de uma troca, do afeto nas palavras. E no meu caso, me lembrei disso quando ouvi aquele sotaque. Cabe a cada um de nós lembrar do poder que temos quando falamos e convidamos o outro para a conversa, para trocar.
Episódio da Rádio Novelo: https://radionovelo.com.br/originais/apresenta/gregos-e-alagoanos/