Sobre escutar o outro
Uma das principais questões que ouvimos no campo educacional e empresarial diz respeito a quais são as competências do século XXI? Na realidade, existem muitas pesquisas e materiais que discutem esse tema.
Na universidade em que trabalho, por exemplo, montamos uma plataforma chamada UnisinosLab, que permite a indexação da maioria das atividades realizadas pelos alunos em termos de competências, considerando 10 competências para o século XXI, as quais identifiquei a partir de estudos desenvolvidos em países lideres em educação, organizações da área e pesquisas publicadas em periódicos relevantes.
Mas quando pensamos nos professores, quais as competências que precisamos? Na área em que atuo, um espaço de intersecção entre Design e Educação, acabamos desenvolvendo ideias sobre estas competências a partir da interação com centenas de professores nos últimos 5 anos, e também da compreensão dos impactos da pandemia e das tecnologias em nosso fazer.
Ontem a noite eu estava apresentando para um grupo de professores uma lista de competências que precisamos ter, que passa pela comunicação, pela busca da inovação, por saber projetar a aula, entre outras. Perguntei aos professores qual consideravam mais difícil. A lista tinha 10 competências, e de bate pronto recebi como resposta: saber ouvir.
Concordei imediatamente com essa resposta e considero realmente, junto com o autoconhecimento, que saber ouvir é uma das maiores dificuldades que temos em diferentes espaços, incluindo a sala de aula.
Lembro sempre de uma fala do Padre Marcelo Aquino, que foi reitor da Unisinos. Quando ele estava em alguma reunião com muito conteúdo ou com ponderações importantes, ele dizia que “estava rouco de tanto ouvir”.
Hoje, conferindo os novos textos no medium, encontrei o texto do Scott Galloway, postado ontem, que chama “Listen”. O texto explora a importância de ouvirmos e como perdemos essa habilidade ainda quando jovens.
Fiquei pensando nos ganhos potenciais que podemos ter quando buscamos ouvir.
O lugar de onde falo é a sala de aula. Fico pensando em minhas possibilidades. Posso chegar em uma sala com 50 alunos e entregar o melhor conteúdo, de maneira didática, divertida e até gerando neles um certo engajamento e senso de pertencimento. Entretanto, o que eu ganho conhecendo melhor os alunos e ouvindo?
Quando abrimos esse espaço e exercitamos a escuta, conseguimos potencializar os benefícios de uma aula que gera engajamento. No ciclo de engajamento dos estudantes, proposto por Shirley e Hargreaves, dois dos elementos estão relacionados ao poder da escuta: o valor intrínseco e a importância da atividade para o estudante. Para sabermos como desenvolver atividades que considerem estes elementos, precisamos conhecer os estudantes e ouvir sobre suas realidades.
O ponto principal é que temos muitos pluriversos em nossa sala de aula, e abrir a porta para reconhecer e aprender com estes espaços é fundamental.
Geralmente buscamos entregar uma visão de mundo, um caminho, um universo para os estudantes. Quando ouvimos, quando abrimos espaço para a conversa lateral, recebemos insumos para reconstruir esse universo nas várias possibilidades inauguradas pela conversa.
Conversar potencializa a compreensão do outro, a empatia, e o aprendizado. Nos espaços de relação de poder, como na sala de aula, escutar os alunos é ainda mais potente pois é um caminho para demonstrar que estamos juntos em um processo que busca desenvolver aprendizagem e conhecimento.
Saber escutar é uma das competências mais importantes para a nossa ação, como educadores. Pode ser um dos caminhos para efetivamente transformar realidades e para ampliar o nosso engajamento, pois quando escutamos, abrimos mais possibilidades para que possamos aprender. E aprender é uma das principais características de um professor.