Simplicidade

gustavo s de borba
3 min readApr 8, 2024

A indicação do Ailton Krenak para a Academia Brasileira de Letras foi um feito histórico para resgatarmos valores e uma conexão fundamental com os povos originários e nossa ancestralidade.

Dentre os efeitos que senti, está a necessidade de compreensão de nosso mundo a partir de um olhar distinto do que se propaga nas bolhas em que vivemos.

Quem conhece um pouco da cosmovisão Indígena, ou leu livros como Queda do Céu, de David Kopenawa e os textos de Ailton Krenak, percebe em alguma medida a importância e impacto de compreender os humanos como um dos grupos que habita a Terra e que deveria perceber os demais seres, criaturas e natureza como pares, irmãos neste grande lugar que compartilhamos.

Na mesma semana que Krenak foi indicado, tive o prazer de assistir com a Aninha o filme Dias Perfeitos, dirigido por Wim Wenders.

Hoje estou no trabalho, finalizando a revisão das 3 aulas que preciso dar esta semana e me pego pensando na simplicidade que a vida deveria ter.

Quando dizemos que “deveria”, parece que é diferente do que temos e não cabe a nós mudar. Mas o fato é que a simplicidade está em nós.

Para falar sobre isso, preciso voltar ao filme Dias Perfeitos. Essa produção nos mostra o cotidiano de um senhor que limpa banheiros em Tokyo. Descreve basicamente a rotina dele, em alguns poucos dias de trabalho, e como a vida em toda sua complexidade, se revela nos pequenos e inúmeros momentos que temos em nosso dia.

O filme nos apresenta um personagem analógico, que sempre agradece o dia com um sorriso, percorre as horas percebendo as pessoas, as árvores, as sombras, as emoções, e cria conexões autênticas com outros humanos e com outros seres. Brinca com o vento, com as sombras e usa o tempo para reconhecer os outros no espaço público. As escolhas que fazemos, os mundos distintos que se fazem presente no nosso mundo, as diferenças geracionais e a capacidade humana de se emocionar são elementos que promovem uma narrativa que faz sentido para todos e para cada um de nós. Mas para mim, uma das principais mensagens que fica é a capacidade de viver com simplicidade e autenticidade.

Lembrei de quando tive a oportunidade de entrevistar o Ailton Krenak e ele disse que deveríamos acordar e agradecer o novo dia que começa, deveríamos conversar com a montanha, celebrar o rio. Viver em harmonia com os outros seres.

Lembrei da música do Pato Fu, que a Aninha adora, que tem como título simplicidade e diz mais ou menos assim:

Vai diminuindo a cidade/Vai aumentando a simpatia/Quanto menor a casinha, ai/Mais sincero o bom dia (John Uchôa)

Lembrei da chuva, do cheiro de mato, do abraço apertado, da risada, do choro, das emoções que estão presentes na vida de quem vive e deixa viver.

Parece um paradoxo que escrevo este texto ao mesmo tempo que monto uma apresentação sobre Inteligência Artificial na educação. Parece, mas não é.

Sempre penso no que é transformador. Naquilo que, quando tiramos tudo que é supérfluo, fica com a gente e nos impacta.

No caso da educação, se fizermos esse exercício, tirarmos da frente toda a tecnologia, a parafernália de luzes azuis que temos através de todas as telas que acessamos, vamos ficar com o contato, com o afeto.

Vamos descobrir as brincadeiras e histórias que ficaram para trás. Vamos subir em árvore, jogar na rua, derrubar muros e perceber o outro. Vamos reconhecer os coletivos que nos definem como humanos e construir um espaço de conexão, reflexão, respeito. Um espaço complexo, mas que revela a sua simplicidade.

Essa é a palavra que penso, quando começo esta nova semana. A Simplicidade é potencialmente um dos caminhos para a transformação e reconexão humana como coletivo e com a Terra.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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