Relações orgânicas
Uma das coisas que tenho maior dificuldade em entender, que está presente em todos os campos do conhecimento, especialmente na educação, é a nossa paixão por medir. Parece que o que não medimos, não existe. Lembro da época em que eu estudava engenharia e um dos principais autores, o Goldratt, dizia em um de seus livros “diga-me como me medirás, e dir-te-ei como me comportarei”. Medidas impactando inclusive a forma como agimos, como interagimos.
Penso nisso a partir de um texto que li hoje do amigo Douglas Rushkoff, onde ele aponta que acabamos aceitando a rede (net) como substituta para as relações mais orgânicas que temos como seres humanos, mas que não conseguimos medir. Na rede temos as medidas, os likes, o número de amigos, de interações, as relações menos profundas mas que podem ser facilmente mensuradas. E parece que isso é suficiente para promover um senso de conexão, um maior valor social do que o valor real de interação humana.
Alguns meses atrás o Joel Westheimer esteve aqui em Porto Alegre e disse, entre outras coisas, algo que revela para mim que em nossa sociedade vivemos uma transformação que nos leva para esse caminho, de conforto na quantificação. Para ele, dado que “não conseguimos medir as coisas que realmente nos importam, começamos a nos importar por coisas que conseguimos medir”. Essa inversão nos fatores altera significativamente o produto, para usar uma analogia que faz sentido no campo quantitativo. Estas duas visões complementares apontam para um caminho perigoso: estamos avançando para um lugar onde buscamos certezas e descartamos a subjetividade, a ambiguidade, a possibilidade. E assim seguimos uma construção de mundo que coloca em segundo plano muito do que nos revela como humanos.
Aqui preciso destacar um ponto relevante: sou professor, pesquisador, e acredito sempre na ciência. Não se trata disso. Precisamos de estudos que nos permitem avançar e viver mais e melhor. Mas quando falamos das relações humanas, das possibilidades que temos para, por exemplo, aprender a partir do contato com o outro, a partir do olhar, a partir de relações que se transformam a cada minuto por variáveis que não são facilmente mensuradas — por exemplo o espaço fisico, a qualidade do ar, a possibilidade de reconhecer algo que me traz uma boa lembrança — a subjetividade se apresenta e mensurar algo é provavelmente uma ilusão.
Qual a medida do amor? Do desejo de aprender? Da admiração que temos pelo outro?
Um dos grandes inovadores no campo educacional, o Satish Kumar, publicou um livro recentemente chamado “Radical Love” (Amor Radical), colocando em pauta a necessidade de nos reencontrarmos como grupo, compreendendo as diferenças e entendendo que fazemos parte da natureza. Somos natureza. E amamos.
Deixo essa reflexão em aberto, para pensarmos neste início de ano em como podemos seguir medindo, mas compreender também a medida do impossível. Um sorriso, o senso de pertencer, a capacidade de se conectar, não se revelam em dados quantitativos, mas são a expressão da qualidade das relações que construímos. Aprender passa por isso: por viver, ser feliz e pertencer. Passa por muitas coisas que não conseguimos medir e que se consolidam em um sentimento. Passa por amar.