Quem gosta da escola?
A escola sempre foi um lugar controverso para mim.
Lembro de minha primeira experiência no maternal das Irmãs de Maria de Schoenstatt.
O que mais gostava nessa época, era do percurso de ida e volta para a escola, que eu geralmente fazia a pé, com o meu avô Tristão.
Ele me contava histórias, brincávamos de pegar, e eu podia me esconder entre os pequenos pinheiros que davam contorno as calçadas da Avenida Nossa Senhora das Dores. Da escola, o que lembro é o pátio, as árvores gigantes, as brincadeiras, as freiras vestidas impecavelmente.
Foi uma experiência de um ano e depois disso acabei indo para uma escola de ensino fundamental e médio, o Coração de Maria. Mudava a congregação, mas as freiras seguiam lá. As Irmãs do Imaculado Coração de Maria eram (e seguem sendo) responsáveis pala escola.
Embora mereçam todo meu respeito e admiração, no início o sentimento que eu tinha era de medo. Eu tinha a impressão que se fizesse qualquer coisa errada seria punido, talvez não aqui neste plano, mas com a retirada do meu nome da lista daqueles que podem entrar no reino de Deus. Mas a medida que o tempo foi avançando, foi admirando mais o trabalho das irmãs e de todas as pessoas da escola.
Acho que foi nessa escola que vivi mais tempo e com mais intensamente. Oito anos no mesmo lugar. As aulas eram, em sua maioria, normais. Lembro de poucas professoras que me inspiravam muito. Engraçado que não lembro de nenhum professor, homem, no ensino fundamental.
A cantina era meu lugar favorito, e as filas que tínhamos que enfrentar para comprar o lanche eram animadas pelas tradicionais brincadeiras de roda e pelas cantigas como trem de ferro. O espaço mais utilizado por nós, meninos, era o campo de futebol. Não lembro de muitos amigos, mas nessa época eu convivi muito com o Fernando, o Fabiano, o Cleiber, o Tarcisio, a Gianine. Dá para dizer que esse pequeno grupo representava as pessoas que, de alguma forma, me conectavam aquela realidade fora de casa: o espaço de aprender e de conviver.
Era uma época diferente e tudo era feito presencialmente. Não existia mundo online. Nada. Vivíamos o momento.
Lembro do dia em que a banda RPM ia tocar em Santa Maria, eu já estava na oitava série. Alguém avisou nos corredores que o ônibus da banda estava passando na frente da escola, na avenida Nossa Senhora das Dores. Saímos correndo para ver, como se fosse o maior espetáculo da terra. Vimos o ônibus já a distância, indo em direção ao ginásio municipal. Voltamos para a sala empolgados e com vontade de compartilhar essa aventura, que aconteceu dentro dos portões da escola, com nossa família. Mas isso só seria possível quando voltássemos para casa. Nada era instantâneo, momentâneo. Tudo durava mais, ao longo do dia, e a espera para contar algo fazia parte do prazer de viver aquilo.
Quando o ensino fundamental acabou, eu tinha que ir para outra escola.
Diziam que o melhor colégio de Santa Maria era uma escola pública, o Cilon Rosa. Para conseguir vaga era necessário passar a noite em uma fila e mesmo assim não existia garantia do ingresso. Minha mãe ficou lá e conseguiu realizar minha matrícula, mas na turma da tarde. Eu não gostava de estudar a tarde, mas ingressei com a promessa de que depois do primeiro ano era mais fácil uma troca de turno.
No início, foi um pouco traumático para mim. No lugar da organização das freiras eu adentrava um espaço onde a liberdade era maior do que a disciplina.
Um espaço onde os jovens desafiavam mais os professores e uns aos outros e os grupos estavam se formando.
Talvez por isso eu tenha poucas lembranças boas do primeiro ano. A principal é a exclusão. Acontece que era neste ano que os colegas faziam quinze anos, e as festas eram sempre um momento esperado. Mas como eu entrei mais cedo, tinha 13 anos, era excluido das listas e não lembro de ter sido convidado para nenhuma destas festas. Foi um ano de adaptação a uma nova realidade e um novo jeito de ser.
Mas foi no segundo ano, agora estudando de manhã, que tudo mudou. Encontrei pessoas que se tornaram grandes amigos, e alguns professores que admirei muito. As aulas eram, algumas vezes, interessantes. Mas a possibilidade de relação com os outros e de fazer coisas que até então eu não fazia eram o ponto alto do ensino médio. Ali encontrei amigos como o Gildo, Fabio, Chicão, Daniel, Carmen, Waleska, Pati, Fabi, Armando, Marshal, Clarissa, entre muitos outros, que se tornaram a minha turma.
O Cilon virou meu lugar preferido, mas pelos amigos, não pelas aulas.
Por isso que digo que a escola é um lugar estranho, muitas vezes controverso, mas que tem uma função que vai além do conteúdo que aprendemos. Lá aprendermos a conviver.
Quando vejo esses longos debates sobre tecnologia, sobre como usar IA, ou se devemos ter menos tempo de recreio e mais de matemática, fico pensando que perdemos o foco.
A escola não é estritamente sobre isso.
Deveríamos estar pensando em como promover o encontro, em como criar espaço para que a vida floresça, em como apoiar os alunos na construção de amizades e na conexão com professoras e professores inspiradores. Deveríamos estar falando sobre bem-estar, pertencimento, engajamento.
Sobre reconhecer o outro e construir o grupo.
Essa é uma das principais funções da escola.
Como diz o Douglas Rushkoff, precisamos reocupar a realidade. As vezes me parece que estamos todos vivendo na virtualidade, quase como acontece no livro Jogador Nº 1 de Ernest Cline: fugimos para o mundo virtual, onde achamos que podemos ser o que quisermos.
Mas quando a energia acaba, quando a internet cai, quando a vida passa: somos seres humanos e sociais. E nos desenvolver como pessoas integrais, acredito que é sim o principal papel da escola. Para isso, precisamos mais de afeto do que de tecnologia.