Que tipo de professor?
Quando frequentamos a escola, experimentamos todos os sentimentos da vida real, muitas vezes sem sair da sala de aula.
Lembro até hoje de aprender o alfabeto e suas maravilhosas aplicações com minha professora Neuza, na primeira série do colégio Coração de Maria, em Santa Maria. Dessa época, lembro de correr no pátio interno, dos jogos de futebol, dos longos corredores que conectavam as salas e, especialmente, das tentativas que fazíamos de jogar bexigas com água no final de ano nas freiras que gerenciavam com muita competência a escola.
Foi também nessa época que fiz algo impensável: fui voluntariamente para a recuperação da aula de ciências, porque adorava a professora.
Durante este período, aprendi que não sabia jogar futebol, que algumas canções e brincadeiras divertidas podiam ser compartilhadas entre meninos e meninas (o trem de ferro, por exemplo), e que um bom professor transforma a sala de aula no ambiente mais aberto possível, nos conectando uns aos outros e também com o mundo lá fora.
Depois disso, frequentei uma escola pública de excelência, o Cilon Rosa. Lembro que minha mãe teve que ficar toda madrugada na fila para conseguir vaga e, mesmo assim, só para o turno da tarde. Comecei assim o primeiro ano do ensino médio e depois, como aluno regular da escola, consegui a transferência para o sonhado turno da manhã. Nessa época, nosso interesse pelas aulas era parcial e nos divertíamos mais aproveitando o intervalo para ir até o centro da cidade alugar um filme em VHS do que nas aulas. Lembro das provas de biologia e de alguns colegas mais criativos respondendo coisas como “símbolo dos thundercats” para os símbolos de biologia genética.
No último ano, chegou a vez de estudar forte para o vestibular. Novos professores apareceram, os “profs de cursinho”. No Mauá, Riachuelo, Constantino.
Lembro que alguns professores eram lendas.
Construíam uma conexão com os alunos através de experiência de aula, e exercícios ou histórias conectadas ao conteúdo. Alguns mais teatrais, batendo réguas gigantes no quadro, cantando, mas todos com algo diferente para nos dizer. Às vezes fico pensando em que elementos faziam essa experiência de cursinho tão diferente do ensino médio. Um ponto é o fato de os alunos terem um objetivo evidente ali: passar no vestibular. O outro, que me parece mais relevante, é os professores terem o compromisso com o processo de ensino, sem a necessidade latente de avaliação. Ensinavam não para a vida, para o vestibular, mas mesmo assim, com um propósito. E isso fazia sentido para nós. A concorrência era tão forte, que na hora do listão na rádio, todos os aprovados ganhavam um novo sobrenome — o nome do cursinho que estavam matriculados: “Gustavo Borba” — Constantino. E assim seguia.
Nesse percurso tive a oportunidade que todo aluno tem, de conhecer os diferentes tipos de pessoa, através de cada professor.
Cativantes como a Neuza, apaixonantes como minha professora de ciências, emocionantes, como os professores dos cursinhos, e alguns poucos, entediantes.
Mas tudo isso ia mudar, a partir de minha entrada na faculdade. Com 16 anos comecei a engenharia e vi que, embora as características dos professores fossem as mais variadas, tínhamos basicamente dois grupos: aqueles que estavam preocupados com a aprendizagem dos alunos e aqueles que tinham outros interesses.
Assim eu descobri, logo na primeira semana de aula, que rodar era normal na engenharia, e que, se eu não estivesse conseguindo “vencer a batalha contra a matéria”, seria melhor desistir logo para não perder tempo e não ocupar espaço na sala de aula. Assim aprendi que, aqueles que tiravam 10 em uma disciplina difícil, viravam lendas.
Assim, aprendi que existiam diferentes tipos de aluno, mas boa parte dos professores dava aula para os alunos que já tinham conhecimento prévio. Em um ambiente mais hostil, o caminho mais fácil era abandonar, afinal, a cada dia aparecia uma nova pista de que aquele lugar era “para poucos”.
Mas sempre tinha aquele professor que vinha para a aula com o olho brilhando, buscando por olhares perdidos para engajar esses alunos naquilo que ele acreditava ser a melhor atividade do universo: participar da aula da sua disciplina.
Estes professores despertavam o interesse na profissão específica, e na profissão professor. Professores como o Helio Hey e a Nilza Zampieri fizeram essa diferença para mim. Foi assim que eu comecei a trabalhar em atividades de iniciação cientifica e a explorar caminhos distintos por dentro do curso, que permitiram carreiras diferentes.
Os laboratórios, os corredores, os bares, o truco, a pastinha com o nome da universidade, tudo isso faz parte da experiência de um aluno de graduação em uma boa instituição.
Mas o papel e o impacto de um bom professor, atravessa nossa vida da educação infantil ao doutorado e nos transforma em pessoas capazes de mudar o mundo.
Observação: Texto escrito em 2020, parte do Diário da Pandemia.