Qual a sala de aula do futuro?
Será que precisamos responder essa pergunta?
Alguns dias atrás, em uma reunião de professores, ouvi um colega dizendo que precisamos definir a sala de aula do futuro. Para quem trabalha no ambiente educacional, essa é uma pergunta constante que se revela na busca por um processo mais qualificado e assertivo de aprendizagem para os alunos. No meu caso, faz mais de 13 anos que escuto esta pergunta e tento encontrar possíveis respostas. Ainda lembro quando o reitor da instituição em que trabalho me fez essa pergunta diretamente, pela primeira vez. Foi no ano de 2009.
Qual a sala de aula do futuro?
Para responder esta pergunta, montamos um projeto envolvendo um grupo de pesquisa aplicado. O grupo contava com pessoas de diferentes áreas, buscando uma perspectiva transdisciplinar e ampliando o debate para espaços além dos tradicionais. O projeto envolveu protótipos de salas com design, tecnologia, interação, entre vários outros elementos. A consolidação deste processo aconteceu na construção do campus novo da universidade e na proposição de salas de aula inovadoras. A partir daí, desenvolvemos pesquisas com os alunos buscando compreender o impacto das salas em seu processo de aprendizagem.
Os achados destas pesquisas estão disponíveis em artigos que publicamos (1), mas a síntese do que pensam os alunos pode ser expressa na frase a seguir:
a sala não pode ser um gargalo, deve ser um espaço flexível, que permite para professores e alunos um nível adequado de interação e de construção coletiva do conhecimento. A sala deve ser um Canvas para que, através da relação entre professores e alunos, sejam desenhados processos significativos de aprendizagem.
Em outras palavras, o espaço realmente importa quando atrapalha, quando se configura como um entrave. Dessa forma, simplificar esse lugar, transformá-lo em um espaço aberto que permite a construção de relações sociais, de conversas de aprendizagem, parece ser um bom caminho.
Depois de um histórico longo de pesquisa, quando alcançamos um modelo de impacto, com foco principal na flexibilidade, entramos no período da pandemia.
Nesse momento, a sala e aula se desmaterializou.
Todos tivemos que nos reinventar rapidamente e habitar salas de aula virtuais, buscando reconstruir espaços de pertencimento e gerar engajamento online. Novas tecnologias, novas ferramentas e a necessidade de mudarmos nossos modelos mentais. Foi um período de tentativa e erro, de adaptação, e de muito trabalho, especialmente das professoras e professores, que precisavam construir maneiras de engajar os estudantes. Da mesma forma, foi um período de dificuldade para os alunos, que em muitos casos precisavam adaptar sua casa, seus espaços de trabalho, para promover uma conexão adequada nas aulas.
O tempo passou e com a redução dos impactos da pandemia, surgiu a ideia da sala de aula híbrida. Alguns alunos online, outros presencialmente. Esse processo levou mais uma vez professoras e professores a buscar novas formas de interagir e dar conta de dois ambientes: um virtual e um físico. Se configurava novamente um espaço de alta complexidade e a dificuldade inerente de construção de pertencimento.
Com acertos e erros, as instituições avançaram, e chegamos no momento atual, com a retomada dos espaços presenciais quase que em sua totalidade. Embora o ambiente virtual siga como uma possibilidade, à medida que o tempo avança mais e mais organizações compreendem a importância do contato social presencial para desenvolvermos conversas, diálogos e para aprendermos.
E nesse contexto, ressurge a mesma pergunta: qual a sala de aula do futuro?
A primeira reflexão fundamental para avançar nesse debate é compreendermos que talvez essa pergunta não faça sentido.
Vivemos perseguindo algo para o futuro sem viver o presente, e talvez por isso não tenhamos a exata compreensão das transformações necessárias no campo da educação. Não se trata da sala de aula do futuro, mas das mudanças necessárias para construirmos uma educação do agora.
Quando pensamos em salas de aula, são inúmeros os estudos disponíveis (2,3,4,5,6,7). Eles apontam para diferentes elementos, mas cabe destacar uma série de fatores que impactam na aprendizagem e que devem ser considerados: flexibilidade, tecnologia, mobiliário, elementos naturais e estética ambiental.
Entretanto, a pergunta central não deveria ser qual a sala de aula do futuro. Estes e outros estudos apontam para diferentes perguntas, como por exemplo:
Como os espaços educacionais, em escolas e universidades, são promotores do diálogo?
Como promover espaços de bem-estar e pertencimento para que os alunos tragam e compartilhem sua experiência nas instituições de ensino?
Como desenvolver espaços que promovam a construção de um olhar de pluriversos (8,9), que compreende a diversidade humana e a necessidade de formação para além do universo que habitualmente reconhecemos?
Essas questões deveriam estar na pauta para que esses lugares institucionalizados, escolas e universidades, percebidos por muitos como espaços distantes da sua realidade, se tornem extensões de suas casas.
Algumas semanas atrás eu estava conversando sobre o conceito de sala de aula com a pesquisadora Alice Kolb e debatíamos sobre a importância de compreendermos a realidade dos alunos, levando as instituições de ensino para dentro destas realidades. Isso faz ainda mais sentido em países como o Brasil, com realidades tão desiguais.
Poderíamos aqui avançar para outras questões, por exemplo:
Como promover ações nas diferentes comunidades, construindo empatia e impacto e reconhecendo que na realidade vivemos uma teia de possibilidades, que se inauguram quando conseguimos ligar alguns destes pontos, como a relação escola-comunidade, estudante- família, desenvolvimento e vida social?
Quanto mais pesquiso, quanto mais leio e converso com pessoas que buscam ir além das respostas prontas, mais percebo que não existe a sala de aula do futuro.
Existe a sala de aula que muda as realidades hoje, e que pode promover transformação social. Mas não sei até que ponto estamos atentos a isso.
Qual o tipo de conexão que queremos?
Ontem estava ouvindo uma entrevista do Rushkoff para a Revista Time (10), e em um dado momento a repórter perguntou algo relacionado a importância da tecnologia. Ele respondeu que "a tecnologia é legal (cool), mas não consegue nos ver. Vê apenas dados."
A sensação que tenho é que muitas vezes nós, humanos, que temos essa capacidade de nos ver e nos reconhecer nas diferenças, preferimos não enxergar. Talvez essa seja a grande questão para pensar o futuro da educação e dos espaços de aprendizagem: como nos reconhecermos como humanidade e nos conectarmos para a transformação coletiva?
Não é sobre a sala, sobre o currículo, ou sobre o recurso de didático, mas sobre o reconhecimento dos pluriversos que vivemos e das possibilidades que inauguramos todo o dia quando interagimos com pessoas diferentes.
É nesse espaço, nessa interação, que aprendemos.
Fontes:
1- Borba, G.S., Alves, I.M. & Campagnolo, P.D.B. How Learning Spaces Can Collaborate with Student Engagement and Enhance Student-Faculty Interaction in Higher Education. Innov High Educ 45, 51–63 (2020). https://doi.org/10.1007/s10755-019-09483-9
2- Dey, E., Burn, H. E., & Gerdes, D. (2009). Bringing the classroom to the web: Effects of using new technologies to capture and deliver lectures. Research in Higher Education, 50, 377–393.
3- Neil, S., & Etheridge, R. (2008). Flexible learning spaces: The integration of pedagogy, physical design, and instructional technology. Marketing Education Review, 18, 47–53.
4- Mau, B., Pigozzi, O., & Peterson. (2010). The third teacher: 79 ways you can use design to transform teaching & learning (Kindle edition). Brownstown, MI: Motor City Books
5- Rands, M. L., & Gansemer-Topf, A. M. (2017). The room itself is active: How classroom design impacts student engagement. Journal of Learning Spaces, 6, 25–33.
6- Kolb, A. Y., & Kolb, D. A. (2005). Learning styles and learning spaces: Enhancing experiential learning in higher education. Academy of Management Learning & Education, 4, 193–212.
7- Hyun, J., Ediger, R., & Lee, D. (2017). Students’ satisfaction on their learning process in active learning and traditional classrooms. International Journal of Teaching and Learning in Higher Education, 29, 108–118.
8- Kotjari, Ashish, Salleh, Ariel, Escobar, Arturo, Demaria, Federico, Acosta, Alberto (organizadores). Pluriverse — a post-development dictionary. Tulika books, 2019
9- Noel, Lesley-Ann, and Tulane University. “Envisioning a Pluriversal Design Education.” Pivot 2020: Designing a World of Many Centers, 2020. doi:10.21606/PLURIVERSAL.2020.021.
10- Douglas Rushkoff on How Human Behavior is Training AI. https://time.com/collection/person-of-the-week-podcast/6311418/douglas-rushkoff-interview-person-of-the-week/