Quais os caminhos para transformar a educação?

gustavo s de borba
3 min readMar 9, 2022

Muito se tem falado sobre as lacunas de aprendizagem resultantes deste período de pandemia, especialmente relacionada aos alunos de escolas públicas. Sem dúvida precisamos compreender o que ocorreu neste período e olhar para transformações fundamentais na educação para o presente e o futuro. Entretanto, precisamos evitar um sentimento coletivo que emerge dos diagnósticos que estão sendo apresentados: o sentimento imobilizador de que precisamos recuperar o tempo perdido.

Exceto nos filmes clássicos de ficção cientifica, não é possível voltar no tempo. E se não conseguimos voltar no tempo, recuperar este tempo se torna mais difícil.

As lacunas de aprendizagem devem ser sim urgentemente consideradas e precisamos, como sociedade, dar uma resposta para todos estes jovens alunos que foram impactados por um momento de crise nos diferentes setores, especialmente na educação. Mas pensar em recuperar com um olhar linear e estritamente conteudista provavelmente não vai nos levar a melhores resultados.

Lembro aqui o livro do Andy Hargreaves e Dennis Shirley, que mais de 10 anos atrás apresentaram uma proposta denominada de “The Fourth way”. Os autores descreveram em seu livro diferentes movimentos históricos na educação, com foco nos Estados Unidos. Lembravam que o primeiro movimento, pós-guerra e até a década de 70, apontava para apoio e liberdade dos professores. Nesse período a inovação acontecia, mas muitas vezes sem evidencias e impacto. O segundo período tem como foco o mercado e a padronização curricular (época do governo Reagan), o terceiro momento, após a década de 80, levava para um maior balanço entre a autonomia dos professores e a responsabilização, um “novo progressismo” nas palavras dos autores (final do século XX e inicio do XXI).

A proposta dos autores era de um quarto movimento com foco em propósito e parceiras, um movimento com inclusão, investimentos, parceria público privada potencializando um processo com o estudante como protagonista e o professor investindo em formação, em conexões com colegas e redes e ampliando sua ação. Professores excelentes e forte engajamento.

Quando releio o material dos autores aqui citados fico pensando em que momento estamos em nosso país. Minha sensação é que nossa educação ainda respira a década de 80, e que os caminhos que vemos são sempre definidos ou pelo menos inspirados por padronização: olhamos para testes padronizados, testes de desempenho e buscamos tomar decisões que mudem resultados finais, não processos.

Pensei nessa questão porque recentemente li um artigo do Dennis Shirley, onde ele aponta para como os testes padronizados estão obsoletos e não são o caminho para transformação da educação (https://commonwealthmagazine.org/opinion/standardized-testing-is-not-the-way-forward/). Segundo o autor, esse período de pandemia nos trouxe muitas possibilidades e temos agora que escolher caminhos: podemos seguir investindo em ensino e aprendizagem ou em testes e responsabilização.

Para mim, o primeiro caminho parece o único: criar espaços que permitam o ensino e aprendizagem, onde professores e alunos interagem e constroem conhecimento, onde todos estão engajados em um processo coletivo de ensino e aprendizagem. Esse deveria ser nosso foco. Para isso, precisamos ainda olhar para fatores fundamentais relacionados a pandemia: como reduzir as desigualdades, ampliar o acesso, trabalhar com diversidade, equidade e inclusão, e ainda focar no bem estar de alunos e de professores. Pessoas infelizes não aprendem e também não ensinam.

Não se trata de resgatar conteúdo, mas de construir um espaço, fisico e virtual, de trocas qualificadas, de pertencimento, de desafio e engajamento, onde todos se sintam parte deste processo de educação coletivo e individual. Onde o pertencimento e o propósito sejam elementos propulsores para um processo de aprender a aprender. Assim, não ganhamos tempo. Valorizamos o tempo real e aceleramos a aprendizagem. Me parece que este é um caminho para transformar a educação.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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