Precisamos do tempo da praça
maio de 2022
A ideia da educação por toda vida é um dos grandes temas para instituições de ensino, empresas e todos os interessados no desenvolvimento pessoal e coletivo. Isso porque a compreensão de que investir em educação transforma realidades já é quase senso comum, e exemplos de países como a Coréia do Sul reforçam está perspectiva. Entretanto, o investimento em educação geralmente está atrelado a períodos do tempo em que a pessoa está se desenvolvendo ou ativa economicamente. Dessa forma, os investimentos geralmente estão relacionados com projetos que reforçam uma educação infantil, básica e superior de qualidade. Após o ensino superior, muitos projetos de formação acadêmica ou profissionais, mantém o foco na construção de uma experiência relevante para as pessoas e seu desenvolvimento. Nesse amplo espectro que se define em nossa vida, a ênfase no educar e no formar, navega em diferentes direções, em um espaço fechado, da educação infantil a vida, definida ainda em uma metáfora cartesiana, produtiva.
Segundo Hargreaves e Shirley (2022), ficam de certa forma de fora deste espectro a educação de crianças em idade pré-escolar (até os 3 anos) e a educação de idosos.
A psicologia e os diferentes campus de estudo na área do desenvolvimento infantil enfatizam a importância dos 3 primeiros anos da criança, e nesse processo, o desenvolvimento educacional é fundamental. Investir neste espaço temporal curto, mas que impacta toda a vida destas pessoas, é fundamental.
Na outra ponta, estão os idosos, especialmente os aposentados e sem uma atividade econômica ativa. Nesse espectro, até pouco tempo atrás, as conexões se reforçavam, e a ausência da tecnologia constituía uma vida analógica mais ativa, que incluía caminhadas, encontro na praça, contato com a família, leitura, filmes, entre outras formas de relacionamento. Boa parte deste conjunto de atividades fundamentais para a manutenção da saúde física e mental, foram substituídas por uma única atividade: o uso de dispositivos móveis com redes sociais.
Parte disso se explica pelo constante aumento nas horas de trabalho das famílias. Com mais necessidade de trabalho para manter os rendimentos, as famílias têm menos tempo para o lazer e consequentemente para a conexão com aqueles que não estão no ambiente de trabalho. Possuem menos tempo para a família além do núcleo de mães, pais e filhos. Assim, soluções que nos aproximem daqueles que amamos e não temos tempo de encontrar, ajudam a superar este sentimento de ausência.
É neste contexto que surge o milagre tecnológico que nos permite o impensável: devido as redes sociais nos conectamos com pessoas distantes, ficamos sabendo o que fizeram no final de semana, lembramos de velhos amigos do colégio, postamos o que jantamos, o show que vimos e assim, alimentamos nós e aqueles que estão distantes, com a percepção de que estamos todos perto. Isso vale especialmente para aqueles que mais nos amam, como nossos familiares, especialmente pais e avós.
O fato é que, além desta percepção de proximidade ser potencialmente falsa, pois a vida real vai além do que aparece na foto do post, e os espaços das redes sociais podem possuir efeitos colaterais de maior complexidade.
Faz parte destes espaços a promoção de comportamentos que levam ao consumo, ao reforço de certezas prévias, a consequente diminuição de nosso senso crítico, a dependência da linha de tempo infinita, entre outras formas de alienação.
Para aqueles que já nasceram com a tecnologia, os efeitos deste processo possuem uma dimensão diferente, dado o seu contexto. Mas para aqueles que ainda estão aprendendo a lidar com estas tecnologias, e estão cada vez mais isolados, o efeito pode ser ainda mais devastador.
Todo esse contexto social, impulsionado pela tecnologia digital, criou exércitos de pessoas com pouco senso crítico e com a capacidade de proliferar informações falsas ou duvidosas, que podem reafirmar pensamentos limitados pelo contexto em que estão inseridos. Além disso, a instantaneidade da mídia e a facilidade de uso potencializa os danos e captura estas pessoas quase que inconscientemente.
Isso leva ao cenário distópico que vivemos hoje, com pessoas idosas dependentes de um dispositivo que lhes entrega o que querem, reforça a sua conexão com aqueles que estão distantes, distrai na medida certa e os aproxima cada vez mais dos mesmos, através do discurso e da linguagem. Assim, as bolhas se reforçam, e o que circula dentro destas bolhas avança, em um fenômeno semelhante a uma bola de neve: uma pequena informação falsa pode circular, ganhar força, se ressignificar e crescer. Quando está no ponto, avança para fora da bolha, tentando atingir outras pessoas. Esse fenômeno está presente no ambiente digital, independente da idade do consumidor, mas entre pessoas idosas, parece ter um potencial ainda mais devastador.
O tempo da praça, da conversa, do livro, foi substituído pelo tempo da mensagem, do vídeo, da instantaneidade, da espuma, da superficialidade. E quando nos damos conta de que isso está acontecendo, aí o tempo já passou. Não conseguimos mais voltar facilmente. É um processo de dependência, que nasce no individuo, avança para o grupo e impacta todos nós.
Precisamos retornar para a praça.
Precisamos reafirmar o afeto, conviver, bem viver. A tecnologia, sempre precisa ser meio. Meio para ajudar na educação, nas conexões. Mas quando ela se torna a principal, a mais importante, ameaça nossa vida e nos coloca em segundo plano. Na realidade, nos coloca como meio. Um meio para potencialmente gerar ódio e limitar nossa capacidade humana.
Quando eu era criança, sempre ficava assustado com os filmes em que os robôs, num futuro distante, se rebelavam e dominavam o mundo, destruindo todos nós. Parecia algo absurdo, algo impensável, mas talvez aqueles robôs que destruíam cidades inteiras e buscavam os últimos humanos, tenham se tornado peças-chave de ferramentas tecnológicas que nos consomem diariamente, nos deixando mais iguais, menos críticos, com menos vida e menos humanos.
Aqueles robôs, estão por aqui.
E já faz tempo.
Mas somos capazes de superá-los, pois nada é mais imperfeito e imprevisível do que a humanidade. E por conta disso, podemos sempre surpreender e criar novos caminhos.
Mas precisamos fazer isso agora.