Porto Alegre, 19 de maio.
Tenho pensado muito no que estamos vivendo.
Embora seja um momento singular, que une tragédia e solidariedade, é necessário debater o que nos levou ao que vivemos.
A vida, em realidade, é assim. O que vivemos é em certa medida a consequência de muitas ações, ou da falta delas. Embora isso seja verdade especialmente para quem possui diferentes privilégios sociais, especialmente o privilégio da escolha, quando olhamos para a perspectiva do nosso planeta, essa lógica parece fazer sentido.
Hoje, li uma reflexão do amigo Gustavo Mini, utilizando a metáfora dos caranguejos para trazer a pauta a compreensão histórica dos ambientalistas e o movimento cego dos desenvolvimentistas. Almoçando dois dias atrás com o Cesar Paz, o Cleiton Chiarel e a Mari Gutti, ele trazia uma reflexão que ia na mesma linha.
Fiquei pensando nisso e lembrei dos meus queridos alunos do mestrado em Design, e dos debates muito produtivos que tivemos nas semanas anteriores a está tragédia. Naquela sala de aula, eu aprendo a partir da conversa que temos. E como esta é uma turma diversa e com diferentes visões de mundo, aprendo muito mais.
Logo na segunda aula tivemos a oportunidade de discutir um texto que nos ajuda a compreender o atual momento. Lemos o livro Pensando em Sistemas, da Donella Meadows.
Essa autora é a principal responsável por um relatório que recentemente completou 50 anos (em 2022), e que é considerado o primeiro relatório sobre os limites do crescimento. O relatório mostra a finitude dos recursos de nosso planeta, em uma sociedade que busca crescer continuamente. Utilizando a dinâmica de sistemas, a autora apresenta vários modelos e análises mostrando o potencial colapso. Importante aqui lembrar: estamos falando de 1972, antes de quase toda a tecnologia e destruição ambiental que vivemos. Um período em que, por exemplo, os acionistas não eram os personagens mais importantes em uma empresa e a lucratividade apresentava fronteiras bem desenhadas.
De lá para cá, caos.
O fato é que a lógica de desenvolvimento que vivemos nos leva a destruição ambiental. Isso é simples e precisa ser aceito por todos nós.
Uma semana depois, tivemos uma aula com o professor Tony Fry. Um dos grandes pesquisadores em design do nosso planeta. Hoje, com 80 anos, é uma referência em design e ficção e um dos grandes nomes no debate sobre fluxos migratórios, no campo do Design.
Conversando conosco, ele falou que o Brasil vai sofrer com fluxos migratórios devido as constantes crises climáticas que teremos daqui para a frente, com cidades alagadas e submersas. Ele disse isso uma semana antes do que estamos vivendo, mas isso não aconteceu porque ele tem uma bola de cristal, ou porque advinha o futuro: a fala dele está embasada em questões que já sabemos faz muito tempo, mas que acabamos ignorando.
Tudo isso aponta para uma crise que precisa ser encarada e para um processo de mudança de modelo mental que, como sociedade, precisamos ter. Claro que essa compreensão não esconde todas as falhas que aconteceram e que precisam ser analisadas. Mas sustentabilidade já não é a palavra do dia: estamos falando em sobrevivência. Isso deveria unir todos, inclusive aqueles que não acreditam em aquecimento global ou em crise ambiental.
Isso porque a crise que se apresenta aponta para caminhos possíveis, dentre eles a potencial extinção.
Hoje pela manhã eu estava lendo o livro O Sentido da Existência Humana de Edward O. Wilson, e em uma das passagens ele escreve sobre nossa capacidade de imaginar futuros possíveis, planejá-los e escolher dentre eles.
Para utilizarmos essa capacidade singular da humanidade, segundo o autor, dependemos de nossa compreensão sobre nós mesmos. Talvez, mais do que isso, precisamos compreender nosso papel em nossa coletividade. Sem isso, seguiremos buscando o melhor para cada um. E muitos autores e pesquisadores já comprovaram que quando buscamos cada um o melhor para si, não temos o ótimo para todos. Sem mudar essa noção, seguiremos em direção ao colapso.
Parece que chegou a hora de escutar e de agir.