Por que você não anda de ônibus?
Desde que cheguei em Porto Alegre, em 1996, eu uso transporte público na cidade. Quando morava na Barão do Amazonas, eu e a Aninha usávamos o 436, Jardim Ipê. Com ele ia para o centro, para as aulas da Ufrgs, para a Santa Casa e para a redenção.
O tempo passou, e desde a construção de nosso campus na nIlo, eu tenho duas opções de ônibus muito próximos a minha casa: o T7 e o 429. Caminho duas quadras, subo no ônibus, e em 14, no máximo 15 minutos estou na frente do campus. Uma facilidade que, mesmo com condições não ideias, se confunde com o que está disponível nos melhores centros urbanos mundiais.
Mas a realidade é que as pessoas estão usando cada vez menos este tipo de transporte e quando falamos na classe média, quando penso nos meus amigos, dá para contar nos dedos de uma das mãos quantos usam o transporte público. E também por conta disso, vivemos um transito sem explicação em Porto Alegre.
Porto Alegre está no “top 3”de piores trânsitos no Brasil, perdendo para São Paulo e Belo Horizonte (1). O fato é que, mesmo com o debate da privatização das linhas ainda públicas da frota municipal, tivemos avanços importantes na rede, como por exemplo a possibilidade de monitorar os ônibus (2), o que acontece desde 2019 e facilita o planejamento para acessar o transporte.
Eu já ouvi muitas desculpas para não usar o transporte público: questões de segurança, o inconveniente de ir até a parada, a falta de linhas em determinados locais. Mas a maioria destes pontos, que são relevantes e devem ser atacados, parte de criticas de pessoas que efetivamente não usam este tipo de transporte.
Nesse microcosmos de nossa sociedade, que é o transporte coletivo, eu vejo gentileza e trabalho. Vejo educação, otimismo e arte.
Quando entro em um ônibus e acho um espaço vago, ouço um “com licença” de alguém que deseja sentar ao lado. Olho para a frente e vejo pessoas conversando, provavelmente usuários frequentes, que se conheceram dentro do ônibus, e trocam ideias antes de descer para o trabalho ou para suas casas. Vejo pessoas lendo, ouvindo música, vejo telefones de todas as marcas.
Nos momentos que chego e o ônibus está lotado, vejo gentileza quando um passageiro pergunta se quero que segure minha mochila em seu colo. Isso acontece sempre, faz décadas. Quando desço, assim como vários usuários, agradeço ao cobrador.
E a viagem segue.
As conversas continuam, entre as diferentes paradas, navegando nos diferentes movimentos que a vida de cada um que está ali segue.
é um lugar democrático, que promove uma igualdade momentânea, onde todos tem um objetivo: chegar em um lugar. E isso, me parece, é um resumo de nossa vida. Chegar ao trabalho, em casa, no show, no jogo de futebol, no shopping, estamos sempre indo e vindo. E quando estamos num espaço coletivo, temos muito mais oportunidades do que perigos. Temos muito mais espaço para ao menos ver e compreender melhor diferentes realidades.
No Brasil, andar de carro é um status social. Um absurdo que fica circunscrito a países de terceiro mundo. Países onde a sociedade olha com preconceito, onde o poder público tenta terceirizar, e quem usa, usa o transporte público porque precisa.
Uma pena, pois assim perdemos como sociedade, e nos isolamos casa vez mais nessas toneladas de aço que destroem o meio ambiente e destroem nossa capacidade de construir relações, de construir conversas.
Trocamos o obrigado, o bom dia, pela possibilidade de xingar alguém, de apertar uma buzina, de nos descivilizar mais, a cada dia. Na contramão de como devemos evoluir como sociedade.
Tomara que isso um dia mude, e que um governante tenha orgulho em dizer que trabalhou para ter a melhor rede de transporte publico e não seja eleito com promessas de privatizar esse espaço, que como espaço coletivo, é de todos.
Fontes: