Por que Santa Maria?
Todo o novo dia é uma oportunidade para nos conhecermos mais e nos reconectarmos com nós mesmos, com os outros e com a natureza.
Quando penso nisso lembro dos livros e das entrevistas com o Ailton Krenak, que sempre reforça que não temos que buscar momentos na natureza, pois somos também a natureza. Fazemos parte e precisamos reconhecer os elos que temos para que possamos respeitar e viver bem todos os seres.
Sinto um pouco disso quando buscamos compreender melhor nossas raízes, ou mesmo retomar espaços, conexões, momentos no tempo que parecem se dissipar mas que em realidade aguardam por nós, pelo reencontro, pela reconexão com algo que nos faz ser quem somos.
é a partir deste sentimento que busco aqui, nestas poucas linhas, descrever o que vivemos nestas últimas 48 horas, período em que conseguimos fugir do tempo flecha, que aponta para a frente, e buscamos a sobreposição de possibilidades, de sentimentos pluriversais que nos fazem reinterpretar caminhos, momentos, espaços e até o que buscamos para o futuro.
Neste final de semana fomos para Santa Maria, minha cidade natal, local onde a Aninha estudou, um lugar onde conheci e me conectei com o amor da minha vida, e ao qual não voltávamos, da forma como voltamos agora, já fazia muitos anos.
Estávamos os dois e nossa melhor amiga Laura, talvez o principal motivo de termos planejado esta ida para lá. Digo isso porque, quando gostamos de alguém, queremos mostrar lugares que nos fazem bem, na esperança de que esta pessoa sinta de alguma forma um pouco do que sentimos. Embora bem intencionado, esse processo é geralmente repleto de frustrações, pois quando buscamos na memória elementos que nos ajudam a remontar nossa historia, muitas vezes ignoramos o que não era adequado, ou ainda nos decepcionamos porque mudamos. Um bom exemplo disso é pensar em algo que você gostava de comer ou um lugar que gostava de ir quando era adolescente e quando come novamente, ou volta ao lugar, tem um sentimento do tipo “mas não era bem assim que eu lembrava”… Por conta disso, voltar para lugares que nos moldaram é sempre um risco.
Além disso, Santa Maria é uma cidade no interior do estado, que não é reconhecida pelo potencial turístico, o que fez com que muitos amigos da Laura, quando descobriram que ela estava indo para lá, perguntassem: Santa Maria? Por que?
Esse era o contexto de nossa viagem, que ficou ainda mais incerta na sexta-feira devido as chuvas intensas no estado e ao risco de alagamento de diferentes áreas.
Mas mesmo assim, após as 14 horas da sexta, resolvemos ir.
Foram 5 horas de carro até chegar na cidade. Os pontos de incerteza em termos de tempo foram apenas 2, próximos a Camobi, bairro de Santa Maria, pois com as enchentes no RS nessa parte da estrada precisamos atravessar uma ponte provisória e passar por algumas obras. Fora isso, um passeio pelo interior conversando sobre o que iríamos fazer e lembrando de memórias boas que gostamos de compartilhar.
Foram menos de 48 horas por lá, mas a sensação que temos é de que entramos em um espaço de alegria, de conexão, de desfrutar do momento e também de desfrutar do que aquele espaço entrega para nós.
Fomos em ótimos restaurantes, apresentamos para a Laura o melhor e maior pastel do planeta, visitamos o campus da UFSM onde a Aninha relembrou detalhes importantes do período de faculdade, conhecemos novos lugares e retornamos aos antigos, como a confeitaria Copacabana que já tem 103 anos. Além disso ganhamos nosso primeiro grenal os 3 juntos, e a noite, na véspera de nosso retorno para Porto Alegre, fomos ao compromisso que era em realidade o motivo da viagem: ver a banda Magical Mistery Band tocar na Dell Fuego.
Esta é a banda de amigos maravilhosos e músicos de grande qualidade. Nossa ideia era ver os irmãos Molina e o Guilherme Barros tocando juntos e compartilhando com a gente uma das coisas que torna Santa Maria única: a cultura que se desenvolve a partir da interação entre as possibilidades que a UFSM constrói e o potencial da comunidade da região. O show foi um momento único, perfeito. Nos entregamos para cada nota tocada pela banda, dançamos, cantamos, saímos de lá quase sem voz. Ao final tivemos tempo de conversar com o Marcos e o Guilherme, amigos maravilhosos que não víamos fazia tempo, mas que parecia que tínhamos visto no dia anterior. Boas amizades são assim, sentimos muita falta, o tempo passa, mas quando nos reencontramos e nos abraçamos, parece que a conversa continua no ponto onde parou.
No domingo voltamos, passamos em um hotel para tomar um café da manhã perto de um vale que podemos até chamar de vale encantado. O sol nascente, o tempo seco, e as memórias construídas nestes dias encontrando espaço para repousar confortavelmente em cada um de nós. A viagem passou rápido, a estrada estava tranquila e conversamos durante 3 horas, quase sem parar.
Quando estávamos chegando aqui, esqueci de perguntar para a Laura se ela conseguia agora responder a pergunta que recebeu tanto durante a semana: por que Santa Maria?
Eu arrisco uma resposta: o lugar que nos transforma ou nos faz sentir bem é o lugar onde estamos com quem amamos e onde podemos experimentar momentos novos, ressignificar o que sentimos e nos desprender da realidade diária que, muitas vezes, nos apaga. Mas isso conseguimos em qualquer lugar, dependendo das pessoas que estão com a gente. Então, por que Santa Maria?
Bom, como é minha cidade, sou suspeito. Mas a cultura que emerge de lá e se espalha pelos vales da região é um dos principais motivos para a cidade ser especial. Essa cultura se atravessa em cada bar, em cada museu, na biblioteca pública, nas escolas, nas ruas que sobem e descem e que formam as ladeiras da cidade, nas livrarias que estão por todo lugar, na música que constrói a trilha sonora da nossa vida. Santa Maria é uma cidade viva, integrada no espaço natural e que coloca em pauta o que temos de melhor: nossa cultura e humanidade, a nossa imperfeição e mas também todas as possibilidades que cada um de nós pode ser.