Pluriversos e a transformação na educação

gustavo s de borba
3 min readSep 18, 2023

Em 2020, Renata Leitão escreveu um artigo propondo uma compreensão distinta para a tradicional abordagem do design, trazendo para a ideia de projeto desire-based (baseado nos desejos) e não need-based (baseado nas necessidades) [1].

Na centralidade dessa proposta está a ideia de pluriversos, que foi desenvolvida por diferentes autores, dentre os quais destaco aqui Arturo Escobar e mais recentemente Lesley Ann-Noel [2], autora que também coloca em debate a transformação do Design e da educação a partir desta perspectiva.

No campo em que atuo, educação e inovação social, a compreensão de um novo design é fundamental para que o objetivo de transformação social seja possível. Nesse contexto, é fundamental pensar em caminhos para que um processo de educacão pluriversa seja construído.

Para tanto, poderíamos pensar em uma abordagem um pouco diferente da proposta por Renata Leitão, partindo do reconhecimento das necessidades (needs-based) e também dos desejos (desire-based) de cada aluno.

Uma educação que tem em sua base a compreensão dos pluriversos percebe cada aluno e cada professor como um ser humano com um potencial transformador, a partir de sua realidade, de suas necessidades e de seus desejos.

O reconhecimento disso a partir da construção de um espaço de pertencimento e bem-estar, é provavelmente um dos caminhos para a inovação na educação. E essa transformação acontece quando utilizamos abordagens do Design para construir ambientes democráticos e que promovam esse senso de pertencimento.

Mas qual o conceito de pluriverso?

A perspectiva do pluriverso, proposta por Escobar, reconhece a necessidade de compreendermos outros mundos além da narrativa que nos é imposta pelo norte global. Como expresso na declaração Zapatista de 1997, “o mundo que queremos é um mundo onde caibam muitos mundos”. [3]

Assim, a natureza do pluriverso se materializa no reconhecimento destas diferenças e na potência transformadora que temos a partir da diversidade.

O conceito de pluriverso se materializa em nossas salas de aula a partir de duas perspectivas:

O reconhecimento da individualidade e da diversidade que está representada em cada aluno, e a necessidade de construção de um currículo que promova um olhar mais abrangente, em teia, e não único.

Uma educação, como diria Rushkoff [4], onde conseguimos compreender que as perguntas são mais importantes que as respostas.

Mas como podemos, através de metodologias da educação, construir esse movimento?

Me parece que é nesse espaço, de desconforto e dúvida, de incerteza e exploração, que o design estratégico se coloca como uma metodologia com potência transformadora.

Projetar esses movimentos, a integração de abordagens complementares, é um dos principais caminhos que devemos percorrer a partir de metodologias do design. Estas metodologias envolvem diferentes possibilidades como atividades em grupo, workshops e conversas de aprendizagem, todas orientadas a partir de um processo de design que cria um movimento uníssono entre o desejo e a necessidade.

Se o design é a metodologia que permite a promoção deste movimento, o reconhecimento dos pluriversos, a ação humana, as relações sociais, são elementos que garantem a aprendizagem e a continuidade deste processo.

Sem a compreensão de que somos humanos e que ser humano é ser coletivo, não existe possibilidade de ir além do que somos enquanto indivíduos.

Uma educação transformadora precisa considerar essas dimensões.

A maioria das coisas que nos transformam se revelam no processo, e não estritamente no resultado alcançado. Por isso coloco aqui a ênfase no Design.

Se o processo falha, a aprendizagem se limita, pois somos construídos nos percursos, nas paradas, no debate.

Isso tudo é processo.

Educar para pluriversos é educar para a cidadania a partir do reconhecimento da diversidade. Esse processo de educação depende da interação entre pessoas e da metodologia que promove essa interação. Sem um processo de projetação é difícil construir o novo.

Educar para pluriversos é criar alternativas a partir dos diferentes caminhos que se revelam, desenvolvendo uma teia de possibilidades orgânicas, para uma transformação que reconhece o todo, a nossa coletividade, ou porque não, os diferentes versos que compomos e nos quais vivemos.

Referências

[1] Leitão, Renata (2020) Pluriversal design and desire-based design: Desire as the impulse for human flourishing. In: DRS Pluriversal Design SIG, 4 Jun 2020, New Orleans, USA. Available at http://openresearch.ocadu.ca/id/eprint/3180/

[2] Ann-Noel, Lesley, Collie, K., Laker, P., Berry, A., Rittner, J., Walters, K. The Black Experience in Design: Identity, Expression & Reflection, Allworth, 2022

[3] Kothari, A., Sallen, A., Escobar, A., Demaria, F., Acosta, A.. Pluriverso: um dicionário do pós-desenvolvimento. Editora Elefante, 2022

[4] Rushkoff, D. Equipe HUmana. Bookman, 2023.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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