Pertencimento

No meio do feriado de carnaval, penso nas atividades que vou realizar com meus alunos durante o semestre. O desafio principal é gerar engajamento. E engajamento vem com um senso de pertencimento. Escuto Softy, That old feeling, música que descobri quando estava dando aula na Purdue, e alguns alunos do design studio, enquanto trabalhavam, escutavam em uma playlist.

Fico pensando, pelo melodia, qual será esse “old feeling”, e me dou conta que se conecta muito com o desafio que todos temos quando iniciamos um novo ano, com novos alunos, com um novo grupo: gerar pertencimento, gerar um senso de coletivo.

Estou terminando a leitura do livro da Susie Wise chamado Design for belonging, onde ela apresenta uma série de conceitos que se entrelaçam para construir um espaço que permita a geração desse sentimento. Na perspectiva da autora, é difícil aprender sem pertencer. No livro, além de uma série de exercícios e propostas orientadas pelo design, a pesquisadora passeia por autoras e autores como Brené Brown, Camille Farrington, Kit Holmes, Bell Hooks, Claude Steele, entre tantos outros.

A medida que eu lia este livro, ficava pensando nos momentos da aula, nos espaços e possibilidades que temos para gerar um senso de pertencimento, um senso de grupo.

A aula para mim é um projeto.

Um espaço que precisa ser pensado no detalhe, mas repensado na prática, sempre. Não consigo mais iniciar uma atividade de aula sem trabalhar com o grupo “por que estamos aqui?”. Atividades de abertura, para retomar o que estamos aprendendo, mas a partir da perspectiva dos alunos, são fundamentais. Não podemos pertencer a algo que não conhecemos, e conhecer cada uma das pessoas do grupo em que estamos é o primeiro passa para nos conhecermos como coletivo.

Até este momento, eu utilizava um processo de construção de engajamento que envolve mais ou menos o seguinte processo: uma aula tem um check-in, seguido de atividades de construção coletiva do conhecimento, e de um fechamento. Na abertura, pensamos em algo novo e que permita um maior conhecimento mútuo. Nas atividades de fechamento, olhamos o percurso e vemos o que foi bom, o que podemos fazer diferente, e algo que poderíamos ter feito e não fizemos. Entre estas duas atividades, navegamos no desenvolvimento das competências sugeridas para aquela atividade. No meu caso, estas competências envolvem compreender o processo de Design como um processo de solução de problemas.

A partir da leitura do material proposto por Susie Wise, uma série de outras possibilidades foram reveladas para mim. Um dos pontos principais propostos pela autora é compreender como projetar para gerar pertencimento. Ela propõe alguns elementos que podem ser projetados e que nos ajudam nesse processo. Os elementos, em livre tradução, são: o espaço, papéis, eventos, rituais, grupos, comunicação, figurino, alimentação, programação e ritmo. A partir destas alavancas e de outras, podemos pensar em formas mais intencionais de gerar pertencimento e o consequente engajamento do grupo.

Neste semestre vou utilizar algumas das propostas desta e de outras autoras para buscar um maior senso de pertencimento em minha disciplina. Isso porque, mesmo acreditando nas práticas que desenvolvo, ensinar é isso: identificar novas possibilidades, aprender com elas, propor alternativas para os alunos, aprender com eles, e girar esse processo de reflexão na ação. Sempre com a certeza de que cada grupo tem suas próprias características e que dificilmente propostas feitas para um coletivo tem o mesmo efeito em um outro espaço e tempo. Entretanto, desenvolver propostas a partir do olhar do design é a melhor forma de aprender novas possibilidades, não buscando a replicação, mas sim possíveis caminhos para novas alternativas.

Leitura sugerida:

Wise, Susie. Design for Belonging: How to build inclusion and collaboration in your communities, Ten Speed Press (19 abril 2022).