O paradoxo da inovação

gustavo s de borba
3 min readDec 15, 2022

A cada dia que passa, cada livro que leio, cada projeto que penso, me dou conta da importância e urgência da inutilidade. O tempo da admiração, o espaço vazio, a ociosidade, são uma forma de olhar para este lugar, o lugar do inútil. Um outro caminho, é compreendendo a importância do brincar, de se alegrar, de fazer algo singelo e sem sentido, mas que impacta nossa felicidade.

No final do meu período na Purdue University eu ganhei um livro de dois grandes amigos, o Anish e a Megha. O livro, escrito pelo Eduardo Galeano, iniciava falando sobre isso. O foco do livro são as transformações do futebol, e nas palavras do autor, traduzidas aqui por mim, ele fala sobre o papel dos gestores, e não mais treinadores, que tem como trabalho “previnir a improvisação, restringir a liberdade e maximizar a produtividade”. E complementa: “o futebol profissional condena tudo que é inutil, porque o inutil não é lucrativo”.

Essa perspectiva, caracterizada aqui pelo futebol, tem relação direta com tudo que fazemos. Já escrevi um tempo atrás sobre uma conversa que tive com o Fernando Almeida, onde ele lembrava de uma palestra em que seu amigo João Sayad dizia que “a escola não serve para nada”. Isso porque a ideia de servir, de estar a serviço, é contrária a educação. A educação para libertar, é uma educação para se reconhecer e construir, e não para servir. Em certa maneira, é uma educação que não busca também utilidade, pois a utilidade serve diretamente ao mercado, a produtividade.

Esse é o contexto em que me coloco nesse momento em que espero o vôo 8908 para Toronto, onde vou reencontrar minha esposa após um semestre como professor na Purdue University.

Tenho 25 anos de experiência na educação superior e o modelo de educação que presenciei por lá, se encaixa perfeitamente neste debate. Tive a honra e prazer de ensinar no Honors College, com um grupo de professores diverso em sexo (aproximadamente 50% homens e 50% mulheres), raça, país de origem (Jamaica, India, Brasil, Trinidade e Tobago, Irlanda, entre outros). Esse grupo é responsável pelos seminário desenvolvidos para os alunos do Honors, que estão cursando diferentes majors e buscam conhecimento e competências interdisciplinares.

As atividades transversais tem nomes como Interdisciplinary approaches to writing, community of inquiry, Pets and society, Nature-inspired design, Covid-19 in editorial cartoons, e a minha, Designing a sustainable future.

Todas estas atividades, quando observadas a partir de uma lente fragmentada e obtusa, que tem como foco a major de um estudante, podem ser percebidas como inúteis. Para um aluno de física, qual a utilidade de aprender sobre Pets and society? Ou Covid-19 in editorial cartoons? Minha resposta é óbvia: a utilidade pode ser pouca, mas a importância gigante.

O novo vem do lugar inesperado. A inovação, das possibilidades que são inauguradas quando reconhecemos o diferente e convivemos com o diferente.

Atividades que nos trazem a possibilidade de interagir com pessoas de outras majors, e que nos trazem temas que não estão necessariamente na grade de nossa profissão, são extremamente inovadoras, e podem resultar em um salto de conhecimento, e eventualmente — para alegria do mercado — até em um salto de produtividade.

Não sou o primeiro e não serei o último a dizer que quando convivemos com pessoas iguais temos soluções iguais. Lembro do Andy Hargreaves me dizer uma vez que em uma reunião, se mais de duas pessoas pensam do mesmo jeito, é sinal que não precisam estar ali.

Esse é o ponto.

A inutilidade, a falta de serventia são caminhos para gerar algo único.

Quando limitamos isso, vivemos o que chamo paradoxo da inovação: Buscamos inovar reforçando times iguais, com os melhores alunos, professores, profissionais, mas todos com a mesma formação, sem diversidade, quase sempre homens, quase sempre brancos. E o que temos na prática é o oposto: uma disputa por qual ideia vence, e o resultado é que identificamos caminhos, nas estradas já criadas.

A inutilidade de um drible, a inutilidade do vazio, a disciplina do curso que foge do esperado, a possibilidade de brincar são espaços para desenvolver o novo.

Sem isso, tudo acaba.

Sem o vazio, sem o inútil, sem a falta de serventia, só temos repetição.

Mas a quem interessa não repetirmos as coisas?

Deveria interessa a todos nós, humanos.

Fontes:

GALEANO, Eduardo. Soccer in Sun and Shadow. Bold Type Books (October 18, 2022)

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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