O "Mercado"

gustavo s de borba
3 min readMay 1, 2023

A cada dia que passa, fica mais comum dizer que as instituições de ensino precisam se reinventar.

Essa necessidade decorre, como em outros setores, de mudanças tecnológicas e sociais que impactam todos nós, e transformam nosso fazer, nossa forma de ensinar, nossa forma de aprender.

Quanto a isso, não existe dúvida.

O ponto que me causa desconforto é ouvir que a universidade deve atender as mudanças de mercado, pois se não fizer isso, perde a relevância. Aqui, existe uma incongruência: a universidade não pode estar a serviço do mercado. Na realidade, deveríamos nos preocupar quando algo assim acontece. Entretanto, isso não quer dizer que a universidade não deve formar profissionais com empregabilidade e com espírito empreendedor. Certamente deve, mas essa perspectiva não é limitada para um espaço específico. Esse deslocamento recente, das últimas décadas, entre sociedade e mercado, criou um vácuo de compreensão sobre os espaços em que interagimos, produzimos, vivemos. A ordem se inverteu, e a necessidade de reforçar que todos estamos a serviço do mercado é uma mudança nociva.

A sociedade como um todo deve ser sempre a maior interessada em qualquer tipo de processo, em qualquer mudança. Em modelos mais sistêmicos, como o sugerido por Elke Ouden, a sociedade é a stakeholder principal, em sintonia com ecossistema, com organizações/empresas, e com pessoas/usuários. Quando colocamos o mercado na ponta, os valores se invertem, e a formação integral perde relevância.

Em sociedades onde o mercado dita as regras, a formação será mais pragmática, de curto prazo, técnica, e somos relevantes à medida que os mercados crescem. Em momentos de recessão, perdemos relevância. Em momentos de transformação tecnológica, temos que nos reciclar para continuarmos “úteis”.

Quando pensamos em países, ou contextos em que estamos a serviço da sociedade, compreendemos o valor da natureza, do meio ambiente, das pessoas, e o mercado está inserido nesta construção, gerando dinâmica social, riqueza e bem-estar coletivo.

Em textos anteriores tenho trazido para o debate, junto com colegas como o Cesar Paz e o Jorge Audy, a importância de questionarmos essa perspectiva, que é uma construção social, onde o acionista/investidor (shareholder) tem mais importância, onde o ganho de curto prazo é fundamental, e a produtividade é o indicador de maior valor. Nesses ambientes, busca-se sempre mais, busca-se escalar, e não temos limites. Em sistemas que buscam valor para o acionista, que geram um distanciamento entre o topo da organização e os funcionários, vivemos o consumo do planeta, o abandono do coletivo, e a busca incessante por satisfazer o mercado.

Em sistemas que buscam o valor para todos os interessados, temos uma inversão. A empresa segue lucrando, mas entende que essa lucratividade tem limites e a riqueza é melhor distribuída. A sociedade ganha, e a dinâmica coletiva se reforça.

Uma instituição de ensino tem obrigação de formar para este segundo contexto.

Dizer isso alguns anos atrás poderia parecer uma perspectiva estritamente social, mas hoje não é.

Grandes movimentos como o Imperative 21, a perspectiva do capitalismo consciente e tantos outros apontam nessa direção, uma direção que compreende que se não avançarmos em mudanças fundamentais nas relações sociais, não temos futuro coletivo.

Temos que formar para construir esse discernimento, para construir riqueza e também um futuro melhor para todos.

Referência:

Ouden, Elke. Innovation Design: Creating Value for People, Organizations and Society.Springer; 2012ª edição (29 novembro 2013)

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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