Novo sistema
Estamos vivendo um momento único e inacreditável. Em meio a complexidade da ordem global, nosso país navega mares incertos, sem direção. Eu particularmente não lembro de um plano econômico bem definido, nestes últimos anos. Essa semana o preço da gasolina explodiu por aqui, e o ministro fala que o Brasil tem mais iPhones do que pessoas, sem citar dados concretos (https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2022/03/ministro-paulo-guedes-diz-que-brasil-tem-mais-iphones-do-que-pessoas-cl0mqlziv006g01e9h4tjcvnu.html). Me parece que deveríamos estar discutindo outra coisa.
Fico lembrando de 2013, quando tivemos protestos que iniciaram com a indignação pelo aumento do transporte público em 20 centavos. Vinte centavos. De lá para cá, os aumentos foram bem mais impactantes, e vivemos agora um momento onde a maioria busca encontrar explicações fáceis, e bastante parciais: “é a pandemia”, “é a guerra”. O fato é que independente da complexidade, que se agravou sem dúvida neste período, aparentemente não temos um plano, não temos um olhar sistêmico como nação, e perdemos um senso de coletivo, que é fundamental para a construção de um país melhor.
Um exemplo bastante significativo para mim é referente ao agronegócio, espaço de liderança global de nosso país. Somos o maior produtor e exportador mundial em muitos produtos como soja, café, carne de frango (maior exportador e terceiro maior produtor), carne bovina (maior exportador e segundo maior produtor) — https://www.cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro). Vale aqui destacar que só nesse período de guerra, o Trigo subiu mais de 46,25% (https://www.cnnbrasil.com.br/business/com-alta-de-4625-desde-o-inicio-da-guerra-trigo-tem-recorde-historico/)
Mas que sistema é esse, que privilegia, acima de qualquer coisa o lucro? As vezes precisamos verbalizar, ou escrever, para perceber o absurdo de algumas coisas que hoje tornamos naturais em nossa vida. Naturalizamos processos com foco no indivíduo e não no coletivo.
Pense na produção de trigo, por exemplo. Com o mercado aquecido no exterior, podemos exportar mais, os ganhos são maiores, isso impacta indicadores econômicos do país e gera lucratividade para os produtores. Entretanto, com mais produto no mercado internacional, menos produto no nosso país. Além do aumento natural externo, podemos ainda ter um aumento potencial interno, por maior necessidade e menor disponibilidade. Se pararmos para pensar no impacto disso para o coletivo de nosso país, faz sentido? Não seria mais interessante atender a demanda interna, com um preço mais acessível, e usar o grande excedente de produção para venda externa, com o preço de mercado, maior e gerando mais lucratividade? Por que existe a necessidade de ganhos cada vez maiores em tudo?
Me parece que esse sistema, essa lógica, está totalmente esgotada. Ainda neste exemplo, penso nos recursos naturais (água, por exemplo), que são de todos nós, e que acabam sendo utilizados por uma parcela pequena da sociedade.
Precisamos resgatar um olhar coletivo, precisamos pensar em cada um e no todo, não apenas em grupos específicos e em indicadores desenvolvidos no meio do século XX.
Mas qual a alternativa?
Alguns autores tem trazido para a pauta este debate, como a perspectiva do Bem Viver, descrita por Monica Chuji, Grimaldo Rengifo e Eduardo Gudynas e a ideia de Agroecologia, descrita por Victor M. Toledo, ambos textos no livro Pluriverso — um dicionário do pós-desenvolvimento, organizado por Ashisj Kothari, Ariel Salieh, Arturo Escobar, Federico Demaria e Alberto Acosta, publicado pela editora Elefante.
O fato é que as novas gerações precisam olhar para isso, junto com todos nós, agora. Pois um futuro que privilegia poucos, que aumenta ganhos individuais, e corrói o planeta, não tem vida longa. Se esgota. E se isso acontecer, acabam todos os ganhos. E aí vamos dividir, entre todos, as perdas. Acho que isso ninguém quer.