Mais um dia no Brasil (5–3–22)

gustavo s de borba
3 min readMar 22, 2022

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Amanheceu um dia lindo em Porto Alegre. Fiz minha corrida matinal e logo depois acessei as principais notícias, via os jornais e o twitter. Fui surpreendido com um tweet que revelava os comentários e a possível desculpa do deputado, um dos tantos eleitos no período em que este país parecia um filme de zumbis gritando “fora PT” e aceitando como alternativa tudo de mais bizarro que poderia existir, desde que gritassem a mesma coisa, sobre os áudios que diziam que as mulheres ucranianas eram fáceis porque eram pobres, ou algo assim. O pedido de desculpas vinha com um pedido de compreensão, pois nas palavras do deputado “eu sou homem e sou jovem”. Bah, fiquei pensando muito nisso e no absurdo que estamos vivendo neste país, que já demonstrou em todos os espaços possíveis o machismo persistente e o privilégio que homens brancos possuem.

Fiquei pensando aqui, em meio a tantas leituras que fiz e a tantas séries e filmes, na distopia que vivemos, em plena realidade.

Lembrei da Margaret Atwood, do conto de aia, e também da trilogia menos conhecida por aqui, mas muito impactante “MaddAddam”. Lembrei do conto sobre racismo “O cometa”, de De Bois, do seriado “Years and years”, e pensei no filme que ainda não vi, dirigido pelo Lázaro Ramos, “medida provisória”.

Todos estes filmes, séries, livros, discutem temas muito relevantes como o racismo, a tirania dos governos, e também, especialmente no conto de Aia, o machismo. Mas fiquei imaginando aqui, uma distopia possível para o que vivemos nesse país gigante e machista chamado Brasil.

Como sou da área da educação, a distopia que eu proponho passaria por uma espécie de prova do ENEM.

Imaginem um futuro em que todos os homens deste país são chamados pelo governo., não para pegar armas, não para invadir um país vizinho, mas para realizar uma prova que avaliaria se cada um deles é ou não machista. Ou melhor, qual o grau de machismo de cada um. A prova traria situações históricas reais, pediria posicionamentos, e traria questões básicas e óbvias como: você acha que um homem que joga futebol deve ganhar mais do que uma mulher?

Ao final da prova, a correção apontaria um ranking de machismo. Aqueles que tirassem uma nota menor do que a média, seriam eliminados.

Aqui eu paro um pouco e repenso. Eliminar na forma tradicional masculina levaria a morte, o que não considero um desfecho adequado para qualquer ser humano, quando causado por outro ser humano. Seria mais interessante se eles fossem eliminados do convívio social e enviados para uma ilha, ou um país, para serem reeducados. Poderiam prestar o teste novamente a cada 6 meses? Aqueles que não conseguissem avançar, ficariam por lá, trabalhando e contando piadas estúpidas, as quais ao longo do tempo fariam cada vez menos sentido para a maioria, que estaria evoluindo suas ideias. Mas a história recente indica que um grupo menor, provavelmente entre 15 e 20%, dificilmente sairia desta situação e viveria até o final, contando piadas machistas e convivendo com os seus amigos, nas rodas de bar da ilha. Mas sem mulheres. E sem redes sociais.

Fico pensando, em um cenário como esse, como seria nosso país? Quantas mulheres a mais estariam em posição de comando, como seria a distribuição salarial entre as pessoas, como seria a relação entre homens e mulheres, sem um machismo estrutural.

Como designer, pensar em narrativas futuras, mesmo improváveis, é uma das atividades que devemos realizar, pois ampliado o olhar, mesmo para o impossível, podemos buscar um possível menos óbvio, um possível mais sistêmico, um possível que inclua todos. Quem sabe uma narrativa assim, uma série, ou um filme, não nos ajudaria a pensar em um futuro com menos desculpas esfarrapadas e com mais respeito por todos os seres humanos.

Um futuro onde dizer “sou jovem e homem”, seja uma justificativa para usar toda potencia e privilégio que temos para ajudar o outro e transformar a vida coletiva, e não para justificar um posicionamento desumano. Quem sabe. Tanta coisa já aconteceu por aqui, que imaginar um futuro melhor, se trata de uma obrigação para todos nós.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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