Inovação: em busca de um conceito para um novo tempo
Lembro de quando participava do principal fórum de inovação do Brasil, o Fórum da FGV/SP, onde definíamos inovação a partir de um conceito muito simples: uma ideia que é implementada e traz resultado. Era inicio dos anos 2000, e nesse momento já discutimos fortemente a necessidade de transformar a compreensão deste conceito, especialmente a partir do impacto social.
Lembro de um texto seminal do Bignetti, grande amigo e colega, que faleceu alguns anos atrás, que fazia um mapeamento do conceito de Inovação Social. Eu acabei escrevendo alguns artigos dizendo que o próprio conceito de inovação social deveria ser considerado uma espécie de pleonasmo vicioso, pois toda inovação tem impacto social e, se não tiver, não deveria ser considerada inovação. Mas no mercado, nas organizações, a inovação se revela pela busca constante do novo, do disruptivo ou do que transforma um produto ou serviço incrementalmente.
E para quem estuda esse tema e busca transformação efetiva, confesso que essa repetição, cansa.
A inovação não necessariamente pressupõe o novo. São muitas as variáveis relacionadas ao conceito, que acabou sendo ao longo do tempo simplificado e transformado em algo quase banal.
Dentre as principais características que temos dos processos de inovação está o contexto no qual ela se desenvolve. Por conta disso, algo inovador aqui em Porto Alegre, pode não ser inovador nos Estados Unidos. Um bom exemplo seria uma mudança que impactasse consideravelmente o nosso processo de compartilhamento do chimarrão. Para alguém em outras localidades, mesmo no Brasil, poderia não fazer sentido.
Mas o fato é que a inovação possui algumas características que deixamos em segundo plano, por buscar o novo, o disruptivo e algo que transforma mercados.
Esse texto tem como objetivo colocar na pauta alguns destes elementos, e a partir deles, avançar para um conceito que permaneça relevante nos dias de hoje. Se pensarmos em inovação hoje como pensávamos na década de 70, provavelmente estaremos indo na direção errada.
Por conta disso, proponho didaticamente algumas inversões para avançarmos. Trocas necessárias, mudanças de modelo mental, que na realidade nos ajudam a pensar para frente a partir de novas bases. Algo que deveria fazer parte do nosso processo de inovação: desafiar as bases sob as quais tomamos decisão, todos os dias. Abaixo algumas destas ideias.
1- Ancestralidade: ao invés do novo o ancestral: São muitos os estudos que buscam compreender práticas de povos originários, ou mudanças em diferentes regiões ao longo da história, para buscar alternativas possíveis para os problemas que vivemos hoje. Essa compreensão passa por uma reestruturação de nosso pensamento: habitamos um espaço que não é nosso, é um sistema, onde interagem todas as espécies, com impactos mútuos e mudanças constantes. Essa compreensão dos seres, de nossa responsabilidade e dos impactos da ação humana é fundamental para repensarmos que tipo de inovação precisamos. A busca da ancestralidade, a abertura de nosso olhar para leituras que estão fora de nossa formação, permitem o avanço nesse debate.
2- Escuta: menos proposta e mais escuta: os exemplos que conhecemos de inovação, ou mesmo a nossa prática, estão geralmente associados a processos que conduzimos. Usamos uma metodologia e aplicamos em um contexto, com um grupo, entregando soluções. Este tipo de prática tem limites muito evidentes. Compreender contextos passa por escutar. Talvez essa seja uma das grandes competências de alguém que se considere um inovador, nos dias de hoje. Ouvir. A partir da escuta, podemos apoiar processos, co-criar, e respeitar a perspectiva daqueles que vão efetivamente desenvolver a inovação.
3- Pluriversos: fugindo do padrão imposto e reconhecendo os pluriversos que não nos ensinaram: Ao longo do tempo, estudamos os mesmos autores, com a mesma perspectiva. No campo da inovação isso não é diferente. Se eu pensar, por exemplo, na disciplina de inovação que ministro, posso perceber o modelo vigente e a necessidade de transformação. Esta disciplina nasceu com nosso mestrado e já ministro ela faz mais de 10 anos. No início, um balanço entre economistas e pessoas do campo do design. A maioria absoluta dos economistas, homens brancos, com livros fundamentais para a compreensão do tema. A maioria dos designers também. Hoje, minha disciplina reconhece o processo de inovação para além destes campos. Discutimos a partir da perspectiva dos povos originários, a partir de mudanças no papel do design e dos ecossistemas, e da compreensão dos pluriversos existentes. A mudança se define quantitativamente: hoje são 70% mulheres; e também qualitativamente: temos um olhar mais diverso, abrangente, e a possibilidade de debater as perspectivas. Este exemplo serve para que cada um de vocês pense em suas áreas: como os pluriversos e a diversidade podem impactar em mudanças que ampliam a visão e possibilitam caminhos alternativos para um futuro distinto?
4- A inovação deve ser social e ecossistêmica: o conceito de inovação que utilizamos em nosso contexto deve considerar elementos que nos ajudem a avaliar o seu impacto. Se antes pensávamos inovação a partir do impacto econômico, e na relação entre empresa e cliente, hoje devemos pensar em um numero maior de dimensões. A autora Elke den Ouden propõe uma perspectiva que amplia o olhar e também os grupos impactados: devemos pensar em dimensões econômica, psicológica, sociológica, ecológica, e nos grupos: empresa, usuário, ecossistema e sociedade. Essa mudança nos ajuda a avaliar de fato o impacto de algo que desenvolvemos e consideramos inovador. Se esse produto ou serviço atende ao usuário, dá retorno financeiro para a empresa, mas impacta negativamente o meio ambiente e reduz o valor coletivo, por exemplo, não deveria ser considerado uma inovação.
Esses 4 pontos são elementos que podemos usar para nos ajudar a pensar um novo conceito. Sem dúvida, existem muitas outras possibilidades. Mas para começar um debate, dobrar um pouco nossas certezas e buscar alternativas para o nosso pensamento, pode ser um bom caminho. Essa é a proposta desse texto. O começo de um debate.