Existe futuro?
Aprender, para quem está aberto ao novo, é sempre um exercício de desapego, de revisão de certezas, de ampliação de olhar.
Algumas semanas atrás eu estava conversando com o Piangers sobre o impacto do ChatGPT e de outras novas tecnologias. Ao mesmo tempo que vislumbrávamos as possibilidades e incertezas decorrentes desta inovação, voltávamos para temas relacionado a nossa vida, a nossa humanidade. Foi assim que ele me contou de uma palestra que viu do Daniel Munduruku. Era uma palestra no Instituto Alana, em um evento sobre futuro. Munduruku disse, logo no início, que no idioma deles essa palavra, futuro, não existe. Eles falam sobre sonhos, sobre passado, presente, mas não sobre futuro.
Exemplificou essa diferença cultural contando a história de alguém que visitou a tribo e estava se despedindo, dizendo que voltava logo, mas mesmo assim, todos choravam. Ele disse para Munduruku algo assim: “eles não estão entendendo que eu vou voltar, logo eu vou voltar. Eles estão chorando como se eu fosse desaparecer”. E ai ele disse “quem não está entendendo é você, você não sabe se vai voltar. Eles estão se despedindo apropriadamente.”
Essa breve história me encheu de dúvidas e abriu novos caminhos.
Eu já havia lido sobre cosmologias relacionadas aos povos indígenas, especialmente através do livro de David Kopenawa. Já tinha tido a oportunidade de entrevistar o Ailton Krenak e ouvir ele falar sobre o tempo flecha, esse nosso tempo linear que aponta para frente. Também já tinha lido sobre a ideia de bem viver, presente nos escritos de vários autores latino-americanos, e bem retratada no livro Pluriverse- A Post-Development Dictionary, organizado por Ashish Kothari, Ariel Salleh, Arturo Escobar, Federico Demaria, Alberto Acosta.
Entretanto, a única perspectiva sobre não existir futuro que eu considerava até aquela conversa era a perspectiva do fim, a perspectiva da destruição do nosso planeta, da expulsão dos humanos deste lugar que achamos que é nosso. Aquela conversa me trazia um outro olhar: a ideia de não planejar sempre para um momento posterior, de viver este momento presente, coletivamente, respeitando todos.
Para Munduruku, as populações indígenas “pensam o tempo a partir de uma lógica de olhar o passado e viver o presente”, “somos seres do presente”. (1)
Um ocidental desavisado poderia facilmente refutar essa ideia e dizer que pensar no presente e ignorar o futuro, faz com que não tenham uma responsabilidade com as próximas gerações, até mesmo com o futuro do planeta. Mas é justamente o contrário.
Viver o presente e não competir para ser melhor que o outro no futuro é o que faz essas comunidades pensarem no coletivo. Buscar a sabedoria ancestral faz com que tenham a capacidade de preservar os valores, a comunhão com a terra e o senso de grupo. Nesse espaço, o presente, é a realização do que veio, dos questionamentos dos novos, e da adaptação necessária as mudanças que vivemos.
Eu sei que vivemos em uma sociedade ocidental, e obviamente não mudaremos a perspectiva de projetar para o futuro. Mas esse tipo de reflexão nos ajuda a reduzir nossas certezas e didaticamente pensar em pequenas variações, em movimentos sistêmicos que reforcem ações coletivas. Assim, podemos manter nosso olhar de futuro, mas reconhecer as possibilidades do agora.
Hoje fico pensando se o livro que escrevemos deveria se chamar “a escola do futuro”, ou “a escola do presente”. Na realidade, lembro que tivemos esse debate quando estávamos fechando o projeto em 2019.
Mas no final, não importa.
O que precisamos reconhecer é “que escola é essa”, e como ela age na formação de pessoas conscientes de seu papel no coletivo, no presente.
Referência:
Pedro Stropasolas , Daniel Munduruku: “Os povos indígenas são a última reserva moral dentro desse sistema”- Brasil de Fato | https://www.brasildefato.com.br/2021/10/17/daniel-munduruku-os-povos-indigenas-sao-a-ultima-reserva-moral-dentro-desse-sistema