Eu não gosto de futebol
Uma frase como essa, dita por um brasileiro, pode soar quase como uma heresia. Mas no meu caso, é verdade. Eu não gosto de futebol.
Quando alguém me fala dos times europeus, das ligas, de jogos que passam em horários estranhos nos canais de tv fechada brasileiros, eu não sei do que se trata, e não ligo. Isso porque, diferente da grande maioria dos brasileiros, eu não gosto de futebol.
Fico pensando se isso se deve ao trauma que sofri em 1982, torcendo fortemente para a seleção brasileira e sendo 3 vezes desiludido através dos pés de Paolo Rossi. Diziam que, quando ele voltou para a Itália, foi reconhecido por uma empresa pelos seus feitos no jogo, e teria recebido sapatos para sempre, de graça. Não sei se é verdade, mas os 3 gols que partiram dos pés dele, me fizeram chorar.
O fato é que desde aquele tempo, parei de torcer para a seleção. O que me intriga é que, mesmo não assistindo jogos de futebol em geral, mesmo não assistindo jogos da seleção brasileira, eu tenho uma grande paixão nesse esporte: o Internacional. Essa paixão é pouco explicável e vem da infância. Me parece que ninguém, em sã consciência e adulto, escolheria esse tipo de sofrimento. Assisto a maioria dos jogos, torço, geralmente me frustro, mas o inter me conecta com algumas realidades que me fazem bem: lembrar de minha infância, dos amigos, da família, da conexão com minhas filhas.
Mas fora isso, eu não gosto de futebol.
Estou escrevendo isso como uma reflexão na ação, fazendo algo que muitos de nós fazemos, que é tentar nos entender melhor a medida que escrevemos. Quase como uma autoterapia. Mas na realidade, o que me motivou a escrever hoje, não foi dizer que eu não gosto de futebol, mas reconhecer que eu amo outro esporte. O basquete.
Desde criança eu tenho uma forte conexão com o basquete. Enquanto a maioria dos meus amigos jogava bola, ia para as escolinhas de futebol, que eu até frequentei durante um período, eu estava buscando um lugar para jogar basquete. Foi no Corinthians de Santa Maria que consegui. Treinava muito, dia sim, dia não, jogava campeonatos, e me conectava comigo mesmo, algo que de alguma forma consigo ter hoje na corrida.
Um tempo depois, já adulto e com a Aninha, aproveitamos os anos dourados do basquete nacional. Íamos até Santa Cruz ver a Pitt Corinthians. Participamos de vários jogos e celebramos o título nacional de 94. Mas como somos o país do futebol, outros esportes duram pouco. E assim a liga de basquete foi diminuindo e, mesmo que ainda exista, foi se afastando da realidade cotidiana de todos nós.
Quando minhas filhas nasceram, elas buscaram um esporte. A Giulia seguiu para o Handebol, e também para o Basquete. A Clarinha, para o basquete. A paixão delas pelo esporte me reconectou com ele e durante os vários anos que a Clara jogou com o Americano e o Zoba como técnico, nos fez coletivamente aprender a rotina de torcer, ganhar, perder, viajar, mas acima de tudo, aprender e nos reconhecer como individuo e como grupo.
Voltando um pouco no tempo, no final dos anos 80 e início dos 90, enquanto a maioria dos meus amigos via jogos de futebol eu tentava encontrar formas de assistir a NBA. Me impressionava com os grandes nomes dessa liga, Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, entre tantos outros.
Como família, tivemos a oportunidade de viver um período fora e de participar de jogos do Boston Celtics. A Clara até jogou naquela maravilhosa quadra em uma atividade da escolinha deles. Essa conexão, mais de 10 anos atrás, reforçou em cada um de nós a paixão pelo esporte, e pelo time que escolhemos: o Celtics. Naquele ano era um time dos sonhos, que contava com o Paul Pierce, Kevin Garnett, Ray Allen e Rajon Rondo. Chegamos as finais da conferência, mas perdemos por 4 a 3 contra o Miami Heat.
De lá para cá, todo ano é a mesma coisa: estando juntos ou mesmo a distância, nos conectamos, assistimos a liga, mas especialmente os jogos dos playoffs, sofremos e celebramos juntos.
Nesse momento, estamos vivendo as finais: Celtics e Mavericks. O Celtics fez uma temporada perfeita, que está culminando com uma final impecável. Na melhor de 7, está 3 a zero para o Celtics. Falta um jogo. Um jogo.
Não quero aqui comparar os esportes, mas é inevitável.
A beleza do futebol está na jogada única, na plasticidade do passe, na construção do Gol. Mas para que tudo isso aconteça, são muitos minutos intermináveis.
No basquete, a cada 24 segundos temos uma chance de “gol”. Nesse curto período de tempo cada um dos jogadores precisa pensar em cada detalhe para construir com precisão uma jogada que tenha como resultado os dois ou três pontos. A rapidez de raciocínio é impressionante. Ontem, enquanto via o jogo do Celtics, fiquei maravilhado com uma jogada em que o Holiday invade o garrafão, puxa 3 marcadores e na hora que sobe para a bandeja, passa com a mão esquerda para o Brown, que está na linha dos 3 pontos, arremessa sem marcação, e converte. No jogo anterior, o Tatum havia invadido o garrafão e passado para um companheiro jogando a bola por trás do seu corpo, em direção a linha dos três. Ninguém olha para buscar o parceiro, mas eles sabem onde cada um está. Parece um ballet, uma orquestra. E tudo isso acontece a cada 24 segundos.
Eu poderia ficar aqui descrevendo vários dos momentos que vi nestes últimos jogos e que me ajudam a entender porque este esporte é, para mim, o melhor de todos. Mas vou parar por aqui. Mas falta um jogo. Se puderem assistir e torcer pelo Celtics, agradeço.