O dia em que pensamos em proibir o uso de notebook em aula

gustavo s de borba
3 min readFeb 7, 2023

Eu atuo como professor e gestor no ensino superior faz 25 anos, e ainda lembro de alguns momentos de ruptura proporcionados pela tecnologia, que senti em minha atividade.

Lembro que em 2003, 20 anos atrás, criamos um curso de graduação em gestão que tinha como premissa ser inovador, interdisciplinar e aplicado. O curso foi reconhecido pelo Mec com conceito máximo e tinha como principal questão o cuidado individualizado com cada aluno e também uma interação intensa entre professores, fazendo pontes entre áreas e construindo caminhos para gerar conhecimento com os alunos.

Nesse curso, com intercâmbios internacionais, co-docência, aulas de arte, entre outras coisas, definimos que daríamos para cada estudante um notebook na matrícula.

Naquele tempo, o note era tão caro que lembro de ouvir de alguns alunos, nas atividades de integração da primeira semana, que eles haviam escolhido o curso porque “ganhariam” o notebook. Obviamente não era o caso, mas era um bom apelo.

Não demorou muito após essa graduação iniciar para termos a primeira crise que resultou em uma reunião com todo o colegiado de professores. Eu era o coordenador do curso e o tema era: não conseguimos dar aula, os alunos ficam navegando na web com o notebook.

Inicialmente, sentimos a frustração que sente toda pessoa que prepara algo com muito cuidado e não recebe o retorno esperado. Ficamos pensando: montamos o melhor curso e eles querem usar o note?

A primeira questão que veio a pauta foi a ideia de tirarmos o note durante as aulas.

Vejam que era um tempo onde a curiosidade com o note era imensa, e navegar nas páginas da web, sem rumo, era ainda uma novidade.

Avaliamos todos os benefícios e problemas relacionados as decisões e decidimos manter os notes, mas com momentos de restrição, dependendo de cada professor.

Um pouco depois, quando criamos um curso inovador de comunicação digital, ainda hoje um dos principais do país, tivemos um debate parecido sobre o uso do Orkut. Esse debate envolveu a universidade como um todo, mas impactou especialmente a área de comunicação. Seria interessante permitir aos alunos, professores e colaboradores acesso a esse tipo de plataforma?

Estes são dois exemplos dentre inúmeros que provavelmente cada um de nós tem.

A tecnologia sempre vem. E suas cores são geralmente mais vibrantes. Os caminhos possíveis do navegar impreciso nas páginas de um notebook, são infinitos. As possibilidades de conexão em uma nova rede social, são sedutoras.

Mas tudo isso inviabiliza uma aula? A resposta para isso é muito simples e objetiva: não.

Esses espaços são portais com informação quase infinita que podem tornar nossas aulas mais interessantes. Um exemplo simples no caso do curso de gestão, foi uma mudança de comportamento nossa. Se levávamos uma informação, como o valor do dólar, para a aula, um aluno que buscava qualificar a informação, e algumas vezes com um certo nível de confronto, diria: — não professor, o senhor está errado. Isso foi ontem. Estou vendo aqui e hoje o valor é “x”, 4 centavos superior ao dito pelo senhor.

Em situações como essas aprendemos a perguntar e não responder. Iniciávamos a aula dizendo: quem pode me dizer qual o valor do dólar hoje? Qual a fonte que vocês estão buscando?

A tecnologia se transformava efetivamente em meio.

Isso tudo aconteceu faz 20 anos. Hoje, os desafios da tecnologia são outros, talvez até maiores. Mas o ponto chave é que sempre, em qualquer momento histórico, podemos ver a tecnologia com um potencial transformador na educação, desde que seja utilizada com um objetivo: promover um melhor processo de ensino e também de aprendizagem.

Quando a tecnologia vira o foco, a educação perde um pouco a relevância. E dificilmente aprendemos quando não percebemos relevância. Por isso, acredito em toda a tecnologia, em todas as possibilidades, desde que sejam utilizadas para apoiar nossos processos humanos. A educação não é ferramenta, a tecnologia sim.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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