Escrever é uma competência humana?
Hoje comecei meu dia lendo um texto de um dos grandes autores do nosso tempo, o Douglas Rushkoff (recentemente tive o prazer de entrevistar ele para o podcast EduVoices, você pode acessar a entrevista aqui).
Nesse texto de 22 de dezembro, ele fala sobre o ChatGPT, uma aplicação de machine learning desenvolvido para gerar textos como se fosse humano.
O debate sobre esse tema volta a pauta, levando para um novo nível a compreensão de autoria e as formas de reconhecer quem realmente escreveu um texto. Lembro dos aplicativos que ainda usamos nas universidades para verificar a possibilidade de plágio, comparando textos ditos originais com bases de dados e plataformas, e alcançando um percentual de similaridade. Quando novas tecnologias para criação de textos como o ChatGPT aparecem, as ferramentas disponíveis para identificar autoria se tornam obsoletas.
O ponto principal neste debate é que a escrita é uma das formas de, como diria Francesco Zurlo, fazer ver. O texto é um veículo para disseminar ideias e transformar ideias em novas possibilidades. Quando escrevemos, o que pensamos e analisamos em nosso dia a dia, essa expressão se torna potência transformadora do outro e de nós mesmos, pois o processo de escrita faz com que tenhamos uma etapa adicional em nossa construção do conhecimento: uma camada adicional de reflexão.
Escrever, pintar, cantar, desenhar, assim como muitas outras formas de expressão corporal, linguística ou artística são caminhos para mostrar quem somos, o que pensamos e o que queremos.
São caminhos para mostrar com o que sonhamos.
Cada uma das formas de expressão humana é uma forma de fazer ver e de provocar uma reflexão adicional em nós mesmos e no outro. É uma forma de levar para o mundo o conhecimento tácito e criar ciclos de transformação do conhecimento, na linha do que propõe David Kolb e Alice Kolb.
Escrever, assim como todas as outras potências e possibilidades que temos como humanos, depende parcialmente de técnica e integralmente de nossa humanidade.
Depende de abraçarmos os erros, apagarmos as linhas, corrigirmos a grafia. De repensarmos nossas crenças, nossas conclusões, de pensarmos como o que fazemos afetar o outro. Depende acima de tudo de uma competência humana única: a criatividade.
Podemos ter robôs, máquinas, aplicações de machine learning que simulem o que fazemos. Mas me parece que o custo desta simulação, comparado com a novidade que pode nos trazer, é infinito, assim como qualquer divisão por zero.
Obviamente existem inúmeras aplicações positivas destas tecnologias, as quais facilitem a vida dos humanos e permitem que possamos pensar em novas possibilidades futuras. Mas esperar que uma máquina possa criativamente gerar uma expressão humana parece tão absurdo que acredito que nunca veríamos esta frase escrita pela racionalidade de um ChaGPT.
A criatividade é o que nos distingue como humanos, e as diferentes formas de expressão que desenvolvemos representam a transposição desta criatividade de nosso corpo e mentes para o mundo real.
Somos seres criativos e distintos, não repetitivos. E como sempre digo, o novo não vem do lugar comum, da repetição, mas da diferença, do incômodo, da possibilidade.
Na realidade, o novo vem da nossa criatividade.
Referências:
Kolb, D. A. (1984). Experiential learning: Experience as the source of learning and development. New Jersey: Prentice-Hall.
ZURLO, Francesco. Design Strategico. In: XXI Secolo (vol. Gli spazi e le arti). Roma: Enciclopedia Treccani, 2010. Disponível em: http://www.treccani.it/enciclopedia/design-strategico_%28XXI-Secolo%29/.