Educação para Cidadania
Se tivéssemos o poder de nos desconectar do ambiente em que estamos, voar além da atmosfera terrestre, retornar e aterrissar aleatoriamente em uma sala de aula em algum lugar do planeta Terra, como reconheceríamos se aterrissamos em uma sala de aula de uma país democrático ou de uma ditadura.
Foi com essa pergunta que o Professor Joel Westheimer iniciou sua fala sobre educação para cidadania na Unisinos Porto Alegre na semana passada. A palestra avançou para o debate sobre competências de professores e alunos, sobre a importância do diálogo e a compreensão de que precisamos pensar a educação de maneira diferente, para além de rankings e do paradigma de mensuração, definido por Andy Hargreaves e Dennis Shirley como o Third way (um momento histórico que persiste em muitos espaços geográficos, onde a busca por performance é o objetivo principal dos processos de educação).
Foi uma palestra excelente, e mesmo depois de me despedir do Joel e deixá-lo no aeroporto, segui pensando na pergunta: como reconheceríamos o regime do país, a partir da sala de aula?
A potência desta pergunta é gigante, e as possíveis nuances e caminhos para a resposta são infinitos, mas o ponto central é que a escola é naturalmente um lugar de diálogo. E esse diálogo é promovido a partir de valores e ações que permitem a conexão entre alunos e entre alunos e professores, na busca por gerar conhecimento e aprender. Mas qual a função da sala de aula?
O debate sobre a importância do ambiente físico é bastante vasto, e inúmeros artigos celebram as possibilidades inauguradas por uma boa sala de aula. Eu mesmo, em um estudo com colegas da Unisinos, publiquei um texto identificando o impacto potencial do espaço para facilitar a aprendizagem dos alunos, isso a partir da percepção deles sobre o espaço. Entretanto, embora o espaço seja fundamental, existe uma questão preliminar que precisa ser resolvida: quem se sente convidado para entrar nesse espaço?
Eu já ouvi relatos de pessoas que, quando olham para a imponência de um prédio universitário, para os processos burocráticos de entrada e os códigos presentes nesse ambiente, não se sentem à vontade para entrar, pois reconhecem que não pertencem ao ambiente. E sem pertencimento, sem a construção do bem-estar, dificilmente temos engajamento e aprendizagem.
Talvez esse seja o ponto principal para o debate atual sobre educação, especialmente no ensino superior: como criar espaços de aprendizagem dentro e fora de sala de aula, gerando pertencimento e engajamento?
Considerar as histórias de cada aluno, o meio de transporte que usam, as dificuldades para garantir sua permanência neste ambiente são tão importantes quanto reconhecer a importância do currículo que será trabalhado nos ambientes de aprendizagem.
Todo esse debate que acabei propondo aqui não responde diretamente à pergunta realizada por Joel. Mas as boas perguntas são assim: na busca por respostas, encontramos outros caminhos, novas perguntas e novas possibilidades.
Mas vale apresentar um caminho, talvez a melhor maneira de reconhecer em que sala de aula estamos é saindo deste espaço e identificando quem realmente faz parte deste ambiente. O espaço, deve ser de todos, e a diversidade deve ser celebrada. Caso contrário, independente do regime do país, seguimos formando apenas aqueles que tem mais recurso e que fazem parte da elite. E dessa forma, não existe transformação social, um dos grandes objetivos da educação.
Fontes:
Hargreaves, Andy, Shirley, Dennis. The Fourth Way: The Inspiring Future for Educational Change. Corwin Press, 2009
Borba, G.S., Alves, I.M. & Campagnolo, P.D.B. How Learning Spaces Can Collaborate with Student Engagement and Enhance Student-Faculty Interaction in Higher Education. Innov High Educ 45, 51–63 (2020). https://doi.org/10.1007/s10755-019-09483-9