E o vídeo levou

gustavo s de borba
4 min readMar 23, 2022

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Sou do tempo em que alugávamos filmes para o final de semana em fitas VHS. Promoções como leve 5 e pague 3, fique com os filmes de sexta a segunda, eram fundamentais para avaliarmos o melhor lugar para ir. O acervo variava muito e muitas vezes não tínhamos acesso as caixas originais das fitas, alugávamos através de fichas, como em um catálogo infinito descrevendo a sinopse do filme. Quando eu estudava no Cilon Rosa em Santa Maria, ainda antes da universidade, aproveitávamos o intervalo da sexta para ir ao centro e locar filmes na Da Cás Vídeo. Durante o final de semana, as fitas circulavam entre 3 ou 4 colegas, para vermos o máximo possível de filmes ao menor custo.

Minha adolescência foi assim. Também foi assim que vi os primeiros filmes com a Aninha, lá na casa da minha mãe, na Pe. Anchieta.

Quando viemos para Porto Alegre a mídia já era outra: dvds. Por aqui, encontramos algumas excelentes locadoras, com acervo muito maior que o que tínhamos acesso e com mais cópias do mesmo filme, o que facilitava o processo de locação. Embora as possibilidades fossem muitas, uma única locadora nos surpreendeu e cativou: a “e o video levou”. Desde os primeiros dias que fomos lá, na época em que ainda se alugava CD, ficamos impressionados com o conhecimento do Álvaro sobre filmes, e com a sua capacidade crítica e de conexão com os clientes. Parecia que ele sabia qual deveria ser o próximo filme para cada um de nós. Foi assim que assisti filmes que provavelmente eu não escolheria, como Manhattan, Ser e ter, Estrela solitária.

Além desta experiência com o Álvaro, e algum tempo depois com o Charles, grande fã do U2, a locadora tinha um espaço gigante de filmes infantis. Na época levávamos a Giulia, e depois também a Clarinha, para sentar no chão e ficar escolhendo vários filmes para vermos no final de semana. Filmes como 102 dálmatas, vários cine gibi da turma da Monica, Cocoricó, a bela e a fera, filmes dos Backyardigans, da Barbie, todos os Beethoven, entre vários outros fizeram parte da infância das gurias. A medida que elas foram crescendo, as comédias românticas apareceram e seguimos conectados ao video levou: amor em jogo, casamento grego, entre outros.

Foi em 2010, com a Giulia com 11 e a Clarinha com 6 que nos mudamos para um local mais distante da locadora. Não dava mais para passear e ir a pé, mas mantivemos a rotina de ir sempre lá nos finais de semana, e de pedir entrega em nossa nova casa. O tempo foi passando, os aparelhos de DVD e Blu-ray aqui de casa foram estragando e o streaming na tv aumentando. Isso impactou todo o mercado, e pela cidade começamos a ver locadoras fechando. Mas a E o vídeo levou seguiu.

Mesmo com a facilidade do streaming, sempre tinha algum filme, alguma série que não estava disponível, sabíamos que “deve ter lá no Álvaro”, como as gurias diziam.

Embora a marca da locadora fosse muito forte, o Álvaro sempre foi a pessoa empática, cativante e conectada com todos nós, o que fazia com que as meninas sempre se referissem a ele quando queriam buscar um filme: “vamos no Álvaro”.

O tempo foi passando, a Giulia saiu de casa, agora a Clara está se preparando para a faculdade e ainda lembramos muito dos momentos que a “E o video levou” nos proporcionou como família, permitindo momentos de conexão únicos, através da arte e do relacionamento: a ida na locadora, a conversa com o pessoal de lá, a escolha do filme, a pipoca, as 2 horas de conexão plena e a análise posterior.

Embora não sejamos mais clientes ativos da locadora, sempre que precisamos de algo, é lá que vamos. Durante a pandemia acabamos resgatando um computador antigo com dvd e voltando para a locadora para buscar séries que não estão no streaming, como a Under the dome, que as gurias queriam muito ver.

Nesse momento reencontramos pessoas queridas e pudemos ter um pouco mais do gostinho nostálgico de olhar para aquele espaço e lembrar de momentos nossos em cada uma das salas, em cada um dos ambientes que fazem parte desse lugar que impactou tantos de nós.

Hoje eu li na Zero Hora que a locadora está fechando, depois de mais de 30 anos. Fiquei muito impactado, pois é mais do que um empreendimento que encerra as atividades, é um espaço de conexão, de cultura e arte. é um lugar que impactou a vida de muitos de nós, e que faz parte das melhores lembranças que temos, de momentos únicos em família.

Escrevo esse texto para deixar registrada aqui a importância da “e o vídeo levou” para minha família, e também para agradecer o Álvaro, o Charles e todos que fizeram desse lugar um espaço de encontro, um espaço de diálogo, um espaço de surpresa e de ampliação do nosso repertório cultural. Vai fazer falta, mas a memória e os bons momentos ficam guardados em cada um de nós.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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