Down to Earth — Bruno Latour

gustavo s de borba
2 min readOct 30, 2023

A crise climática global é uma realidade que parece ser a cada dia mais reconhecida por diferentes atores, públicos e privados. A compreensão de que o planeta tem limites parece estar em nosso imaginário e também em nossa realidade coletiva. Entretanto, a noção de que o planeta não está à nossa disposição, como um recurso limitado, ainda é distante de boa parte das pessoas. Essa mudança de mentalidade: compreender o planeta como um organismo e não um recurso, é um ponto fundamental para que possamos avançar na construção de um presente plausível.

Recentemente finalizei a leitura do livro Down to Earth, de Bruno Latour. O autor apresenta através desse ensaio uma compreensão lúcida sobre o momento que vivemos e a nossa “evolução” ao longo do tempo, saindo de uma perspectiva local para uma perspectiva global, em busca da dita “modernização”. A proposta do autor apresenta 4 pólos distintos, e quebra a lógica de direita e esquerda, quando aponta para um futuro possível. Nesse futuro, segundo o autor, temos que ter a noção coletiva do que chama de terrestre.

Um dos pontos essenciais do ensaio de Latour é o argumento de que elites obscurantistas, reconhecendo o que está acontecendo (com o meio ambiente), decidiram “desmantelar a ideologia de um planeta dividido por todos” (pág. 21). O planeta está aí, para o seu uso. Além disso, a propagação da ilusão de que não existe aquecimento global garantiu a continuidade, por parte de um grupo, do consumo da Terra.

O livro é uma aula sobre a necessidade de nos reencontrarmos como humanidade, de compreendermos a importância de viver em um coletivo, respeitando uns aos outros, e também todas as criaturas que habitam este planeta. A Terra tem deixado evidente, em vários eventos recentes, que não é nossa e que tem capacidade de reação.

Fiquei pensando a partir desta leitura nas possibilidades que um texto como esse inauguram do ponto de vista educacional. Ensaios que provocam visões distintas nos ajudam a ampliar nossa compreensão, e também a criar discernimentos coletivos. Talvez esteja aí um dos caminhos possíveis de transformação da educação.

Quando penso em inovação na educação, tento fugir dos esteriótipos que envolvem tecnologia, prompts, leads, algoritmos, isso por que inovar é transformar a realidade, para o bem coletivo. E para fazer isso precisamos, essencialmente, pensar. O pensamento é provocado, transformado, a partir de ideias que nos desafiam e de um elemento essencial em nossa história: a capacidade de conversar com os outros.

Um texto tem essa função: nos ajudar a buscar argumentos que se desenvolvem a partir de nossa leitura, de nossa história, de muitos elementos distintos que se conectam e transformam a nossa forma de perceber uma realidade e de construir um debate. Nos espaços de debate, podemos criar novas ideias, novas perspectivas, novas compreensões.

E esse é o combustível para aprendermos e para transformarmos.

Fonte:

Latour, Bruno. Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Wiley, 2018.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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