Dois anos depois, a primeira viagem

gustavo s de borba
3 min readFeb 22, 2022

Depois de quase dois anos, fiz minha primeira viagem internacional. Foram 3 voos na ida, 3 voos na volta, e a minha primeira missão de trabalho, envolvendo interação, workshops, jantares e conversas presenciais. Volto para casa melhor do que sai, pois a ansiedade em encontrar pessoas com as quais não tenho contato anterior, na maioria dos espaços sociais (exceto aulas) sem máscaras, me deixou bastante preocupado. Alguns fatores vão diminuindo esta preocupação, a medida que ações reais acontecem para mitigar riscos. No caso específico da universidade que visitei, aparentemente as pessoas podem ser testadas a cada duas semanas. Isso reduz a janela de risco, e cria um padrão de comportamento saudável, em um período ainda de pandemia.

Independente disso, me surpreendi com uma coisa: como as pessoas tossem e espiram. De todos os jeitos. Fraquinho, forte, alto, baixo, espirros em sequência, espaçados, intermitentes. Fico pensando se é agora, ou se sempre foi assim e eu que estou ouvindo mais os espirros e as tosses do que antes. Me sinto como se eu estivesse em uma situação de perigo e alguém dispara: atchimmmmm! Mas provavelmente sempre foi assim, é minha ansiedade em momentos pandêmicos que me coloca na situação de ouvir espirros e tosses e fungadas se proliferando exponencialmente em todos os lugares que vou, especialmente nos fechados.

Outra coisa que eu não percebia e comecei a notar mais é a diversidade absurda de tipos de narizes que as pessoas tem. Em sua maioria, narizes feios. Para mim, que tenho o nariz grande, é um alivio ver essa parte isolada do corpo dos outros e ver que é um problema universal. Entretanto, embora me cause alívio cada vez que vejo um narigão saltado para a lateral direita do rosto de alguém, com o uso correto da máscara, ninguém precisaria ver ver isso.

A última coisa que me impacta nessa neurose ambulante que me tornei pós pandemia é a nossa capacidade de colocar a mão em todos os lugares: bota no nariz, pega a caneta, mexe no olho, puxa a máscara, da soquinho na mão do outro, aperta a mão, pega a caneta, coça a cabeça, ajusta a máscara e, se tiver um tubinho por perto, passa um álcool gel e começa de novo. Dava pra fazer uma melodia só com os barulhos desses movimentos que executamos meio que sem nos dar conta das possibilidades de contaminação que estamos proporcionando para nós e para os outros. Se pegarmos os sons dos espirros, tosses, fungadas, acho que sai um samba pandêmico, daqueles longos, sem hora pra acabar, mas nesse caso, infelizmente, com uma nota só.

Embora boa parte disso seja coisa da minha cabeça, tem uma parte que não é. E enquanto essa parte continuar, vai ser difícil mudarmos essa melodia. Vamos seguir nesse melô da pandemia, trocando de variante como quem troca de faixa do disco.

A vida avança, a roda está girando, mas não custa nada apontarmos para outra direção, para um lugar onde todos podemos celebrar coletivamente a busca pelo bem comum, pelo coletivo, pela igualdade. Esse deveria ser o legado da pandemia, mas não é muitas vezes o que temos visto na prática. Mas a pandemia ainda não acabou, e nesse contexto dá tempo de pensar nisso e agir para que fique uma grande lição para todos nós: somos seres sociais, que vivem em comunidade e que devem se ajudar mutuamente para o bem estar coletivo e a preservação de nossa planeta. Simples assim. Acho que isso também da samba, mas talvez seja um samba mais gostoso de cantar.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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