Diário da Pandemia — Educação — 2020
Engajar é preciso (17–4–2020)
Estamos vendo diferentes formas de reação das instituições de ensino para dar conta do desafio de ensinar em um novo contexto, imposto pela pandemia e pelas novas tecnologias.
Para os estudantes, a necessidade de desenvolver tarefas disponibilizadas em plataformas virtuais é um processo diferente do que estão acostumados, e no contexto atual, onde o espaço e o tempo assumem dimensões distintas, a motivação dos alunos para responder às atividades propostas é em geral menor.
Entretanto, a resposta é termos as nossas tradicionais aulas expositivas mediadas pelas plataformas?
Nos últimos anos, desenvolvemos pesquisas para avaliar o engajamento dos alunos em seu processo de aprendizagem nos ambientes presenciais. O que percebemos a partir dos resultados destas pesquisas é que o espaço importa, mas para o aluno o professor é quem inspira, motiva e conecta.
O momento que estamos vivendo remete a ideia de aprendizagem remota (termo que ouvi no seminário proposto pelo Teaching System lab do MIT: Remote Learning Guidance from State Education Agencies During the COVID-19 Pandemic: A First Look) e nesse ambiente, em que precisamos na realidade incentivar o aluno a um processo de aprendizagem processual, remotamente, o papel do professor em suas aulas síncronas envolve também engajar e motivar.
Mais do que entregar todo o conteúdo, precisamos nos conectar com os alunos e desenvolver neles a motivação para a realização das suas atividades.
Apresentar slides, como se estivéssemos em uma aula tradicional expositiva, provavelmente não vai impactar os estudantes no que eles mais precisam neste momento. Temos sim que trazer conteúdos para o debate, mas seria mais interessante se os conteúdos estivessem relacionados com o momento que vivemos. Da mesma forma, precisamos ouvir os alunos para além das questões específicas da disciplina ou componente curricular que estamos trabalhando.
Mas como gerar empatia? Ações pontuais, como chamar os alunos pelo nome, ou mesmo fazer uma enquete antes de cada encontro via chat, para que os estudantes, por exemplo, escolham o pano de fundo atrás do professor (quando a plataforma permite isso), são formas simples de aproximação e de conexão.
Estamos todos nos reinventando e temos sim que dar conta dos conteúdos e do currículo. Mas precisamos lembrar que conteúdos e currículo se desenvolvem para além do encontro que temos com os alunos. Assim, nossa atividade síncrona é um elemento processual conectado as diferentes formas de construção do conhecimento em tempos de aprendizagem remota.
Engajar é preciso II (17–4–2020)
Tenho visto uma série de publicações relacionadas a como será o pós-pandemia. A grande maioria delas com muito valor e apresentando cenários possíveis e tendências, especialmente na área de educação. Embora este olhar seja bastante importante, acredito que neste momento precisamos olhar para o presente, e aprender. Precisamos viver cada momento e entender como as restrições ou mudanças impostas pelo cenário de pandemia tem modificado nossa forma de ensinar, de aprender e de interagir. Como educadores, me parece que esse é o nosso grande papel. A cada semana eu interajo com pelo menos 3 turmas de graduação e pós-graduação, além de acompanhar de perto a experiência de minhas filhas, alunas do ensino médio e do ensino superior. A cada aula, a cada momento, os alunos nos dão muita informação sobre como estão se sentindo, o que faz sentido para eles, e como os mesmos aprendem nesse ambiente.
Fica evidente que uma hora de aula expositiva apenas com minha voz e imagem não funciona.
Mas será que funcionava no ambiente presencial?
Também é relevante a importância da conexão entre a teoria e exemplos práticos, relacionados ao dia a dia dos alunos. Momentos de maior descontração, ou mesmo de emoção do professor ou de algum aluno, reforçam a conexão entre todos e mostram que o que importa é nossa humanidade. Estou percebendo, a cada dia que passa, que a distância está nos aproximando das questões mais fundamentais: perguntar como o outro está, como se sente, demonstrar preocupação e tentar sempre engajar.
Será que antes dessa pandemia agíamos assim?
Eu, particularmente, estou aprendendo muito, e acredito que o desenvolvimento de uma relação de confiança entre todos na sala de aula é o ponto central para a aprendizagem.
Para não deixar de citar os trabalhos que comentei no início deste artigo, destaco aqui um artigo publicado (https://theconversation.com/whats-next-for-schools-after-coronavirus-here-are-5-big-issues-and-opportunities-135004) pelo Professor Andy Hargreaves, que me orientou no período que estive como Visiting Scholar em Boston e em Ottawa. O Professor Andy descreve 5 questões que devemos tratar no período pós coronavírus. Eu destaco aqui duas destas questões, as quais dialogam com os pontos que descrevi: a necessidade de um suporte extra para estudantes, e a questão do bem-estar.
Com relação ao suporte aos alunos, devemos considerar questões como a perda dos hábitos que a escola normalmente traz para os alunos, a estruturação de uma rotina e as diferenças em nível de aprendizado dado os diferentes contextos nos quais os alunos estão inseridos, e ainda o acesso (ou não) a tecnologia.
A questão do bem-estar é central, e o papel dos professores neste processo vai ser provavelmente ainda mais relevante.
A partir destes pontos e da experiência que estamos vivendo me parece que o papel do professor se reforça ainda mais e para além das competências clássicas.
E o que nos diferencia é nossa humanidade, ampliando competências relacionadas ao cuidado com o outro, empatia e saber ouvir.