Devoção
Hoje estou trabalhando aqui na universidade, aproveitando o silêncio que se constrói pela ausência das pessoas. Estamos em período de férias docentes, e nesse momento alguns poucos colaboradores circulam no prédio. Sento na sala 11, perto dos elevadores, e mesmo assim não vejo movimento.
Tenho algumas reuniões pela frente, mas o fato de a maioria de meus pares estarem de férias abre espaço para momentos de reflexão, leitura e contemplação.
Hoje comecei a ler o livro Devoção, da poetisa Patti Smith. Depois de ler pouco mais de 30 páginas, parei um pouco para escrever. Na realidade parei após pensar um pouco em um frase do livro, que diz que os jovens quando dormem parecem lindos, e os velhos, parecem mortos.
Uma frase que me fez pensar nos meus quase 50 anos, e nas categorias que se transformam ao longo da vida.
Quando bem jovem, considerava alguém de 50 anos um velho, no final da vida. Agora que chego aos 49, me considero um jovem, com a vida pela frente.
A experiência e o significado da idade em nossa vida é um dos reveladores de como nossas percepções são relativizadas por várias variáveis, incluindo o tempo.
Aproveito para ouvir o album Horses de Patti Smith.
Ouço Gloria e lembro como essa música expressa forte influência sobre uma das bandas que mais gosto, o U2. Além do bono cantar o refrão de Gloria, lembro que antes dos shows, a música que prepara o público para a entrada da banda é “people have the power”, também da cantora. Mais um exemplo de como muitas coisas estão conectadas, mas só se revelam quando começamos a pensar em mais detalhes sobre o que vemos. Quando buscamos olhar além da palavra, nos espaços e possibilidades que uma frase cria em nosso pensamento. Quando conectamos o que lemos, vemos, sentimos, e criamos novas reflexões e expressões.
Quando percebo que a leitura deste livro me leva para um olhar sobre o impacto da cantora em uma banda que admiro, posso seguir esse caminho expressando o impacto do U2 em minha vida, e pensar nos momentos que tive com a Aninha, com a trilha da banda ao fundo (como nosso primeiro encontro), ou ainda no nascimento de minhas filhas, que aconteceu com a música do U2 como pano de fundo.
Volto para o livro, e vou encontrar novos caminhos.
Por enquanto, busco desvendar o título: devoção.
Talvez não seja tão literal, como na passagem onde ela revela ter visto esta palavra em uma lápide. Como os textos mais instigantes e transformadores, me parece que o livro expressa a devoção ao processo criativo, a construção do novo. Vamos ver os caminhos que ela percorre, com a certeza de que não existem pontos de chegada, mas possibilidades novas para cada um de nós, que busca na leitura a inspiração para imaginar, para criar.