Criatividade é uma competência humana
Quando percorro o caminho de minha casa até a universidade, dentro do T7 ou do 429, passo por locais que fizeram parte de minha infância. Hoje, voltando para casa, desci do ônibus uma parada antes e congelei esse sentimento de nostalgia na foto que ilustra o post deste texto no instagram.
Parado ali, lembrei da Vó Cida morando no prédio em cima do Trianon. Foi nesse lugar, convivendo com alunos da UFRGS quando eu tinha uns 10 anos, que aprendi sobre a banda Pink Floyd. Foi também ali que ouvi pela primeira vez a Ipanema. Ali que celebrei o tricampeonato brasileiro do Inter.
No outro lado da rua, morava minha tia Li. Nessa época íamos a pé até o Zaffari Ipiranga, onde era possível comprar discos de vinil. No prédio da esquina, que foi o “Dosul”, com seu carimbador maluco, e recentemente um mercado Nacional, fazíamos compras e íamos no restaurante do segundo andar. Um pouco mais para a frente era a tabacaria que tinha os melhores jogadores de futebol de botão e as revistinhas que eu amava ler.
Estou traçando este cenário para pensarmos em como o avançar do tempo, a evolução da tecnologia e o afastamento do analógico, nos levou para um lugar um pouco mais padronizado, exato, etéreo e igual para todos.
As sensações que tínhamos, cada um em seu bairro, no espaço público que compartilhávamos, eram diferentes e reverberavam em tudo que fazíamos: das brincadeiras a lição de casa, do concreto a nossa imaginação.
Hoje, se imagina pouco.
Buscamos conforto em espaços que nos levam para além do lugar que vivemos: o jogo do celular, a interação via rede social, o não lugar.
Os dois pés que se sujavam nos espaços públicos hoje estão dentro presos em estruturas físicas. Caixas que se sobrepõe a outras caixas e que nos afastam do lugar real.
Vivemos em espaços que não existem na realidade e nos quais somos, apenas, mais um. Buscamos viver em lugares que nos apagam na busca por nos colocar em padrões estabelecidos. Padrões de consumo, de uso, de possibilidades. Avenidas virtuais que levam para o mesmo lugar.
Mas a rua não é assim.
No mundo real, somos únicos.
As calçadas revelam a possibilidade do encontro, a possibilidade de ver algo único, de se maravilhar com a beleza natural que está presente em cada centímetro da cidade.
Mas quem olha? Apenas passamos.
Uma pergunta que nos ajuda a entender esse contexto, é a que deixo aqui para vocês: Quanto caminhamos essa semana? Por favor, para responder essa pergunta, exclua o tempo que você “saiu para caminhar”.
Como podemos ser criativos se vivemos nos mesmos lugares virtuais que todos os outros?
A criatividade é uma competência humana e não é através das máquinas que vamos desenvolvê-la.
Precisamos retomar o real, revelar nossa imperfeição, mas também nossa capacidade de nos maravilharmos com o que vemos, com o que sentimos. Cada dia é diferente, cada esquina se transforma a partir do fluxo que recebe. é nesses espaços, nesses lugares de construção coletiva, de pertencimento, que podemos nos provocar a pensar diferente, refletir, e criar. Acho bem difícil termos novas ideias na repetição de zeros e uns que povoa nosso dia.
Mas quando saímos desse lugar, nem o céu nos limita.