Correr uma maratona

gustavo s de borba
6 min readJun 16, 2024

Eu nunca imaginei que iria correr uma maratona. Não imaginava, porque eu corro por prazer, e pensar em uma distância que parece impossível, sempre me gerou um certo desconforto, e a ideia de que eu sentiria uma dor não compatível com o que busco na corrida.

As pessoas com as quais falei sobre correr uma maratona, especialmente as que tinham uma experiência anterior, desenharam esse roteiro: a primeira maratona é difícil de terminar. Além disso, mesmo se terminar, todas as partes do corpo vão doer. Ah, e fazer abaixo de 4 horas é complicado.

Essas foram algumas das frases que ouvi, a medida que desenvolvia meu processo de treinamento, nos últimos 6 meses, para correr a maratona de Vancouver.

Confesso que o que eu buscava, acima de tudo, era ver minhas filhas. Queria estar alguns dias perto delas e poder desfrutar da presença daquelas que resumem para mim o conceito de amar.

Correr era a melhor desculpa para fazer isso acontecer.

Talvez por isso eu tenha cometido alguns erros nessa jornada intensa de preparação.

O primeiro deles foi não buscar informações mais apuradas sobre como seria a prova. Qual a altimetria, número de subidas, dificuldade de largada? Durante a prova, tive que encarar algumas subidas longas e uma elevação em alguns trechos de mais de 100 metros. O segundo erro foi não me preparar para o tempo na cidade. Foi a primeira vez que corri, nos últimos 6 meses, sentindo bastante frio. A temperatura estava próxima aos 8 graus.

Além disso, algumas das coisas que me prometeram, infelizmente se realizaram.

Corri bem até o km 32. Essa era mais ou menos a distância que eu tinha corrido anteriormente em treinos, distância que me fazia sentir confortável avançando a um ritmo de 5:15 minutos/km. Mas depois disso, eu ainda tinha 10 km pela frente. No km 33 comecei a sentir dores nas pernas e uma sensação em meus pés como se os mesmos estivessem queimando. Imediatamente pensei: “não posso sentir nada até o km 35, pois já fiz isso antes”. Mantive o foco, e mesmo diminuindo um pouco o ritmo, cheguei ao km 35, o limite do que eu conhecia em termos de desempenho do meu corpo.

A partir daí o desconhecido se revelou para mim através de dor e do medo de não chegar.

é também nesse período que as pessoas começam a passar mal. Vi pelo menos 5 pessoas sendo atendidas, uma delas com máscara de oxigênio, as outras com cobertores térmicos.

Minhas pernas não respondiam direito.

Aqui cabe dizer que um dos pontos mais importantes deste trajeto é a beleza da cidade de Vancouver que se revela através das amplas ruas, dos parques, das florestas e da inúmeras praias que fazem parte do percurso. E é também nesse final, no Stanley Park, a parte mais bonita e cenográfica da corrida. Isso me ajudou a criar uma distração constante para avançar para o km 36, 37, 38, 39. Nesse momento, eu parei.

Pensei que a melhor opção era caminhar, pois já não aguentava mais. Entretanto, para minha surpresa, eu não conseguia caminhar. As pernas pesavam e a sensação era de que, a qualquer momento, eu sentiria câimbras e não conseguiria chegar.

Caminhei 30 segundos, quase sem sair do lugar, e me dei conta que eu tinha só uma maneira de chegar: correndo.

Avancei mais um km, num ritmo lendo, próximo dos 6:15 minutos por km.

Estava cansado e pensando em desistir, quando vi a distância a Clarinha.

Ela veio correndo e me incentivou. Correu ao meu lado, sorriu, brincou, me levou para um outro lugar, cheio de bons sentimentos, sem dor, só com alegria.

E assim eu avancei.

Ela me acompanhou por um km.

Quando saiu da pista, eu estava vendo, lá na frente, a linha de chegada. Faltavam 800 metros.

Nessa parte final, eu contei meus 800 passos. Cada um parecia uma eternidade, mas me levava mais perto do lugar onde eu queria estar.

Quando ouvi meu nome e atravessei a linha de chegada percebi que havia conquistado algo único: a superação dos limites que colocamos ao nossos corpos e mentes.

Levou alguns minutos até eu encontrar a Aninha e a Clara, para celebrarmos juntos esse momento.

A chuva começou. O frio avançou, mas a corrida já tinha terminado. A alegria da Aninha e da Clara me fazia sentir melhor e também me contagiava, pois nesse momento de parada após quase 4 horas, eu só pensava na pergunta: Por que eu corro?

Eu corro para ser feliz.

E aquele percurso, ou melhor, a dor dos km finais, não me levava para este lugar de alegria.

Por isso eu penso hoje se vou fazer outra prova como essa, ou retomar as minhas corridas de 20, 25, 30 km de distâncias que não definem o limite do meu corpo, mas por enquanto definem o limite da alegria que tenho em correr.

A Giulia me disse que não, que quanto mais eu correr, mais longe eu vou, e ai os 42 km serão uma distância que vai também me gerar prazer.

Eu sinceramente não sei.

Lentamente, vou redescobrindo até onde quero ir. Me parece que isso é o melhor: compreender o que se quer e usar toda a energia para buscar isso.

No meu caso, eu quero correr feliz. Quero alegria.

Assim, tudo fica mais fácil.

Um mês após a maratona (continuação)

Faz um mês que corri a minha primeira maratona. Foi um momento único, que me trouxe diferentes sentimentos. Nesse período pós corrida tive a oportunidade de refletir sobre o que aconteceu e de pensar nos movimentos futuros que posso fazer.

A maratona é uma prova que pode ser definida como um desafio pessoal. Todo o processo de treinamento se consolida a partir da construção de uma base que se acumula, dia após dia, construindo um corpo que tem a capacidade de suportar um esforço fisico de longa duração. Quando comecei o treinamento, 6 meses atrás, eu já havia corrido algumas meias maratonas, mas esse era o meu limite em termos de distância. Na minha percepção, correr 21 km, embora seja um esforço grande, é algo bastante possível, mesmo sem uma preparação de grande intensidade. Mas uma maratona, uma maratona demanda muito mais.

Aprendi com os colegas e com a nossa treinadora Rita, a importância dos treinos de curta e de longa duração. Treinos de esforço, rodagem, treinos intensos, leves. Este processo envolve momentos de afirmação, de dúvida, de descobrimento de novas possibilidades e também de compreensão dos nossos limites. No meu processo, eu devo ter tido umas 3 ou 4 lesões leve. Mas acompanhando o grupo, vi momentos em que alguns de nós sentiram mais, tiveram que recuar, e outros momentos em que pessoas avançaram com uma intensidade única, que só é possível pelo treinamento competente e profissional que estávamos tendo.

Para mim, foi um processo de longo prazo que teve como fechamento um momento de grande alegria: a oportunidade de ver minhas filhas, enquanto realizava esse desafio de correr a primeira maratona.

Aqui cabe deixar algo bastante evidente: eu realmente estava buscando realizar um desafio e não um sonho. Nunca sonhei em ser um maratonista, ou em percorrer o mundo tentando os melhores tempos. Correr uma maratona era um desafio para mim e uma tendência natural, a partir de minha experiência anterior com corridas. Tendo essa compreensão como premissa, posso dizer aqui que estou muito feliz, pois consegui buscar esse objetivo e finalizei a maratona. Tive o privilégio de correr em um cenário lindo, com parques, ruas arborizadas, pessoas gritando meu nome, praias e encostas cinematográficas. Cada metro desta corrida de longa distância revelava uma beleza única, singular, que me fazia querer percorrer o caminho e conhecer melhor o que estava por vir ali na frente.

Uma das questões mais importantes para mim foi o incentivo que tive das gurias. No dia da prova a Giu tinha que trabalhar, mas ficou acompanhando online. A Aninha e a Clara alugaram bicicletas e me encontraram em 3 diferentes pontos. No último, 2 km da linha de chegada, foram ainda mais fundamentais. Se a Clarinha não tivesse corrido comigo quase um km, talvez eu não tivesse conseguido chegar. Eu estava muito cansado e a distância parecia se multiplicar na frente dos meus pés.

A chegada foi um alívio. Fome, um pouco de frio e dor em todo o corpo resumiam o que eu sentia naquele momento. O glamour de concluir uma prova de longa distância, pela primeira vez, se resume a uma projeção irreal. Na prática, tudo é dor.

Mas logo depois, sentado e comendo um sanduíche e algumas bananas, me senti confortável. Pensava no trajeto e no que havia conseguido realizar, enquanto esperava elas chegarem onde eu aguardava, local bastante difícil de acessar para quem estava torcendo e incentivando os corredores. Quando elas chegaram, foi uma festa. A alegria delas me contagiou e eu realizei de fato o que havia feito. Dois amigos meus tem frases que definem muito bem esse momento. O Dinho sempre diz que todo mundo pode correr uma maratona. é bem verdade, mas essa frase pode ser completada pela que ouvi da querida Laura: poucas pessoas conseguem fazer isso.

Sim, me sinto hoje feliz não porque estou em um grupo seleto, mas porque estou em um grupo que conseguiu se desafiar e mostrar novos limites para o seu próprio corpo.

Se vou correr de novo 42km? Não sei. Se eu precisasse responder isso hoje, a resposta seria não. Mas quem sabe, no futuro…

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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