Conversar

gustavo s de borba
3 min readNov 6, 2023

Ontem escutei um dos episódios mais recentes do podcast Team Human, do grande Douglas Rushkoff. Neste episódio ele faz um monólogo de mais de 30 minutos, argumentando sobre os motivos que levam ele a sair de boa parte das redes sociais. O argumento do Rushkoff é muito interessante, e vale como reflexão. Hoje, domingo, eu estava conversando com uma amiga, a Betânia, sobre como seria se pudéssemos não ter o Whats em nosso dia a dia.

Fiquei pensando nisso e comecei a lembrar de como era nossa rotina antes desse fenômeno que transformou nossas vidas para sempre.

Sei que esses dias escrevi um texto chamado Nostalgia, e a última coisa que quero é me repetir, ou mesmo ficar apenas relembrando coisas em um movimento que naturalmente leva a ideia de “naquele tempo que era bom”.

Mas não se trata disso. O tema é muito importante pois os processos de relacionamento social se transformam pela cultura, pela tecnologia, pelos espaços em que vivemos.

Quando guri, eu vivia no interior. Caminhava na rua. Via tv, apenas com dois canais disponíveis. Escutava rádio, apenas com duas rádios fm no dial. Andava de carro, vendo o asfalto pelo buraco do Fiat 147 da minha mãe. Ouvia historinhas em disquinhos de vinil, na voz de um senhor que eu não tinha ideia quem era. Um tal de Silvio Santos. Visitava a casa das amigas de minha mãe e de meus amigos. A rua era o canvas para brincarmos. As bicicletas, os veículos mais rápidos que tínhamos acesso. A conversa era a forma de conhecer alguém melhor e também de resolver problemas.

Eu poderia avançar lembrando de vários episódios daquela época, mas quero parar por aqui e focar na conversa. No diálogo.

A conversa, era a forma de escolher a brincadeira, o time, a ordem no jogo. Estava presente na rua, na casa, na escola, nos caminhos que percorríamos, no trabalho. Nossa única opção disponível nos espaços que frequentávamos era olhar para o outro e iniciar uma conversa.

Como sabem sou professor, e tenho consciência que melhorei sensivelmente minha didática em sala de aula quando compreendi que este é um espaço de diálogo. Aprendi isso lendo, praticando e também conversando com muitas pessoas. Dentre elas, uma das autoras que mais admiro e que escreve sobre conversational learning, a Alice Kolb. Conversando, aprendi o poder de uma boa conversa. Para quem é tímido, como eu, é difícil iniciar, mas é fundamental tentar. Na vida pessoal, no trabalho, na paz, na guerra, de dia, de noite, tudo melhora com uma boa conversa. E parece que cada dia que passa, temos menos espaço para essa ação simples, que demanda pouca energia e tem grande impacto na ampliação de nossa compreensão do mundo.

Os últimos anos nos afastaram desse lugar, não apenas pela tecnologia, mas também pelo entendimento de que não preciso me relacionar com quem pensa diferente de mim. Posso seguir aqui, no meu grupo, trocando ideias, reforçando pensamentos, e viver assim. Quem repete as mesmas ideias, mesmo que interagindo com o outro, não está conversando, está enfatizando falsas verdades. Está buscando mais argumentos para defender o que acredita.

Fico pensando todo o tempo, enquanto preparo aulas, em como posso promover essas conversas.

Qual o caminho para despertar, nesse caso nos alunos, a vontade de trocar ideias? Me parece que o melhor caminho para isso é aprender a escutar, respeitar o pensamento do outro, criar um espaço seguro, de pertencimento, de troca e de crescimento coletivo.

Um jogo de bolinha de gude, pega-pega, polícia-ladrão, esconde-esconde, entre tantas outras brincadeiras, eram espaços de interação que tinham, em seus intervalos e conexões, possibilidades de novas conversas. Hoje, é um pouco diferente, mas ainda acredito que não resolvemos nada nos afastando. Não resolvemos nada dizendo que o outro está errado. Não resolvemos nada agredindo.

Mas quando abrimos espaço para ouvir, e construímos diálogo, tudo muda.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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