COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL CONSOME O PLANETA?
COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL CONSOME O PLANETA?
Em meados de 2023, praticamente um ano atrás, eu e a Ione Bentz publicamos no caderno DOC da Zero Hora, um texto chamado A idiotização dos humanos (1). Esse texto apontava para a necessidade de revertermos o deslumbramento coletivo que temos com as máquinas e que nos leva para um processo de idiotização em massa. Boa parte deste debate estava (e ainda está), relacionado a busca por respostas rápidas e a falta de reflexão, que passou a ser uma constante com a evolução dos buscadores da internet e das ferramentas de respostas baseadas em IA.
Resgato este tema aqui porque me parece mais do que justificado um repensar do uso das máquinas, para manter a nossa capacidade reflexiva e interpretativa. Se isso não for argumento suficiente, a cada dia aparecem outros mais importantes. Um deles é a pegada de carbono de empresas de tecnologia.
Mas esse impacto vai bem além. Um estudo de Ren et all (2) (publicado em 2023 e amplamente difundido este ano) aponta para uma preocupação adicional com relação ao uso de tecnologia e impacto ambiental: o consumo de água.
O estudo cita pesquisas anteriores que apontam que teremos escassez de água em 2030, em algumas áreas do mundo e que 25% das crianças estarão em áreas com “falta de água extrema” em 2040. Mas esses dados são de estudos da Unicef e do governo americano, e aparentemente não consideram o potencial de ampliação desta crise pela IA.
O artigo de Shaolei Ren responde a pergunta que tem causado maior debate entre aqueles que já ouviram falar no impacto hídrico do uso de IA: Como a IA consome água?
Esse consumo acontece através de três processos:
1- uso de água para resfriar os servidores,
2- uso de água para gerar a energia que é consumida nas instalações,
3- uso de água na cadeia de valor para fabricar os hardwares.
O primeiro processo, de uso dentro dos datacenters, é provavelmente o mais nocivo. Segundo o estudo, o uso do ChatGPT da OpenAI consome em média meio litro de água para cada 10 a 50 solicitações (varia de acordo com a localidade, nos EUA a média é de 29.6 solicitações para meio litro de água (3)).
Cada vez que perguntamos algo, que provavelmente poderíamos resolver com alguma leitura ou com um pouco de esforço mental, consumimos um recurso que se tornará cada vez mais raro.
Busquei outras informações, para além do artigo e os dados parecem mais alarmantes.
O relatório ambiental do google (4) aponta que o consumo de água da operação em 2022 foi de 5,564 bilhões de galões — o que equivale a 21 bilhões de litros. Esse número tem crescido ao longo do tempo. Em 2019 era de 3,4; em 2020, 3,7, em 2021, 4,5 bilhões galões.
O crescimento de 2019 para 2022 foi superior a 65%.
A situação é crítica, mas parece que a nossa forma de resolver é, geralmente, tentar encontras mais recursos que possamos extrair.
Uma matéria do site Government Technology, de 31 de maio deste ano, aponta para um valor de 250 mil dólares destinado a estudar os aquíferos que existem em Iowa, para buscar alternativas para a necessidade de água, incluindo aqui a necessidade de refrigeração dos inúmeros datacenters existentes no estado. Segundo a matéria, apenas um data center proposto pela Google em Cedar Rapids pode usar, por dia, uma quantidade de ´agua que varia entre 200 mil e um milhão de galões. Em litros, algo entre 757 mil e 3,78 milhões(5).
Precisamos parar. Historicamente consumimos o planeta para o dito desenvolvimento humano e nesse momento ampliamos esse consumo para gerar capacidade de raciocínio de máquinas. Um consumo silencioso, que a maioria de nós não percebe no dia a dia, mas que faz parte da nossa pegada ambiental.
Relembro que alguns dias atrás foi publicado um estudo pela NASA que aponta a possibilidade de que regiões do Brasil sejam inabitáveis em 50 anos. Isso é curtíssimo prazo. E não estamos falando sobre isso. Precisamos agir, ou assumir o risco real de sermos excluídos desse lugar que habitamos, mas não pertence a nós.
Fontes:
1 Bentz e Borba: https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/noticia/2023/08/a-idiotizacao-dos-humanos-cll5kszjt00c00154fdgib9j7.html
2 Ren, Shaolei, Islam, Mohammad, And, Jianyi, Li, Pengfei.Making AI Less “Thirsty”: Uncovering and Addressing the Secret Water Footprint of AI Models. October, 2023
3 Ren Shaolei, How much water does AI consume? The public deserves to know: https://oecd.ai/en/wonk/how-much-water-does-ai-consume
4 https://sustainability.google/reports/google-2023-environmental-report/
5: https://www.govtech.com/computing/as-thirsty-data-centers-come-online-iowa-will-study-aquifers