Beatles — Now And Then
Para quem é fã de música, essa semana ganhamos um presente. Uma música inédita dos Beatles, recuperada a partir de uma fita k7, com a voz original de John Lennon.
Eu geralmente tenho uma posição bem definida sobre inteligência artificial e tecnologias em geral: devem ser usadas para facilitar processos, reduzir o risco envolvido em atividades humanas e revelar o nosso próprio valor.
Não sou a favor do uso que apenas para ganhar tempo, para ser produtivo. Isso tem um efeito contraditório, pois o tempo se esvai em nosso dia e deixamos de fazer algo que, em última instância, é um exercício para o cérebro. Um exemplo histórico é o uso da calculadora: quando usamos esse instrumento para tudo, acabamos tendo dificuldade em realizar operações de cálculo básicas.
No caso da arte, o uso da inteligência artificial tem promovido debates importantes. Já faz mais de 10 anos que vemos pesquisas e reportagens com avanços na criação de música através de IA.
Especificamente no campo da música POP/ROCK, tivemos o lançamento do que poderia ser uma canção da banda AC/DC.
Algum tempo depois, surgiu um LP que buscava traduzir o que poderia ter sido o próximo disco da banda OASIS.
Esses usos despertam curiosidade, mas morrem na irrelevância da criação repetitiva. Quem gosta de Oasis, por exemplo, busca na música da banda entender as contradições que os irmãos Gallagher viviam, seu olhar sobre o mundo, entre tantas outras coisas que se revelam a partir do olhar humano. Quanto mais original a banda, quando mais inovadora, menos relevante é uma aplicação de IA buscando prever o próximo álbum ou a próxima música: me parece que não existe algoritmo para lidar com a originalidade do trabalho criativo humano, quando colocamos em pauta nossa imprevisibilidade, ambiguidade e criatividade.
Talvez para bandas que seguem uma determinada fórmula buscando o sucesso, seja mais fácil prever o próximo hit. Mas estas já têm uma relevância limitada.
Dito isso, reforço minha percepção de que o uso da IA para criar algo novo a partir da produção anterior, é irrelevante. Os grandes artistas não repetem o mesmo, se deixam transformar continuamente e nos desafiam com suas propostas.
Embora esta seja minha compreensão do tema, retorno ao início deste texto: acho importante o uso da tecnologia em várias situações, dentre elas a possibilidade de revelar nosso valor. Na canção dos Beatles lançada essa semana, me parece que temos isso. A tecnologia foi utilizada para limpar a gravação original e restaurar a voz de John Lennon que já está na fita K7. A música, a letra, a composição é dos Beatles. A voz é a original, que estava perdida nos ruídos da gravação. Nesse caso, o valor daquele momento, ainda em 1977, se revela mais de 40 anos depois, com a conexão da voz original e a nova gravação, humana, de Paul e Ringo.
Escutei a pouco a canção e fiquei feliz em poder conhecer uma música nova desta banda que está entre as melhores da história. Isso graças a tecnologia. Mas mesmo assim, o que eu realmente queria, era poder ouvir aquele k7 original. Com o ruído, sentindo o momento de John Lennon no estúdio, tentando limpar no meu cérebro o ruído e me conectar nele.