Ano novo
Ao longo do tempo nos transformamos e nos adaptamos. Quando penso em um ano que se inaugura, me lembro disso e acabo naturalmente recordando memórias que fazem (ou faziam) parte deste período.
Fiquei pensando hoje, dia 4 de janeiro, em quantos cheques com o ano de 2023 eu teria dado até me dar conta que estamos em 2024. Para quem não viveu isso, cabe uma explicação. Antes de termos a facilidade de pagamento, usávamos um papel em branco com algumas informações, tipo um template, onde tínhamos o poder de escrever o valor que íamos pagar por um dado produto. A empresa recebia o cheque e depois ia descontar o cheque no banco, para poder receber efetivamente o dinheiro. Muitas vezes a surpresa vinha nesse momento, quando percebiam que o cheque não tinha fundos. O nome científico disso era cheque voador. Mas a questão é que preenchíamos tudo a mão. Por exemplo: “duzentos e vinte e três reais” e logo depois escrevíamos uns “xxx e traçávamos algumas linhas” para evitar que alguém pudesse mudar o valor. Logo a seguir, vinha a data e a assinatura. Cada talão tinha 20 cheques e geralmente errávamos a data justamente quando era algo importante e estávamos assinando aquele último cheque, quase grudado na capa do talão, que aliás, fazia uma propaganda do próprio banco. Era uma época em que as empresas não precisavam fazer propaganda de outras empresas para ganhar ainda mais dinheiro.
Outra coisa que mudou significativamente é a forma como desejamos um feliz ano novo para amigos e parentes. Algum tempo atrás a única opção era presencialmente ou através do telefone. E o telefone era de discar. Se fosse um interurbano era necessário discar, pelo menos, 10 números. Na realidade tínhamos que escolher uma única pessoa para ligar e desejar feliz ano novo, pois o tempo de discagem era bastante grande e incluindo os votos de ano novo, a próxima ligação terminaria, na melhor das hipóteses, meia-noite e dez.
Outra coisa diferente é que os fogos eram os da casa do vizinho ou da própria casa. Na tv, dependendo do lugar, tínhamos acesso a um ou dois canais. Na minha casa pegava a bandeirantes e a globo, então assistimos num destes canais a retrospectiva e a contagem regressiva. Não tinha como ver os fogos em vários lugares do mundo ao mesmo tempo, utilizando diferentes mídias, pois tínhamos apenas essa mídia visual em casa: a TV. E se tivéssemos duas ou mais TVs, o limite era o número de canais: dois.
Olhando assim, podemos pensar como as coisas melhoraram. Temos mais acesso, podemos ver os fogos em todos os lugares, podemos falar com mais pessoas, não precisamos mais de papel para gastar o nosso dinheiro, e saber a data em que estamos pagando algo é até certo ponto irrelevante.
Mas aquele ambiente “limitado” nos trazia também algumas coisas que hoje em dia são raras, mas são fundamentais para a vida coletiva: atenção, foco e a possibilidade de conexões mais intensas e reais. Quem estava lá, efetivamente estava.
Fico pensando, por exemplo, nas celebrações que vemos hoje nas redes, que geralmente vem em forma de vídeo, com nós mesmos no primeiro plano, ou apenas os fogos e a celebração. Se tirássemos o nome da pessoa que posta, seria difícil identificar onde geograficamente estava acontecendo aquele evento: tudo está muito igual. E se está igual, não faz sentido buscarmos acesso a mais e mais possibilidades.
Bom, minha intenção era falar sobre coisas que eram diferentes na minha infância, com um certo tom de nostalgia, e já entrei na armadilha que criei para mim mesmo de criticar a forma como nos conectamos hoje em dia. Então vou parar.
Mas fica aqui o meu desejo de que possamos ter um baita 2024, com muita alegria, saúde, felicidade para todos nós, e que possamos ampliar as nossas conexões reais. E desejo que todos os meus amigos que ainda usam cheques, que errem menos esse ano do que erraram em 2023. Na realidade, esse desejo serve para todos nós: refletir mais e errar menos, mas quando algo der errado, aprender. Aprender sempre. Feliz ano novo.