"A semana fecha tranquila para o mercado".
Algum tempo atrás eu já escrevi sobre esse ente que todos evocamos em algum momento do dia: o tal “mercado”.
Como educador, fico bastante impactado pelos debates que criamos em nossa sociedade incluindo esta abstração: queremos melhorar os indicadores de qualidade da educação, mas queremos formar “para o mercado”. E dizemos isso sem nem nos questionar sobre algo básico: o que o “mercado” espera de nós?
Para o mercado, somos consumidores e mão de obra. E para o “bem do mercado”, precisamos estar enquadrados em grupos padronizados em cada uma dessas categorias para gerar mais produtividade e consequentemente mais valor, para o mercado. Um bom exemplo disso é a forma como as redes sociais coletam informações nossas, para nos colocar em grupos consumidores e nos alcançar anúncios que geram em muitos de nós o sentimento: “como é que ela sabia que eu queria algo assim?”
Em minha carreira como gestor, nos últimos 25 anos, já protagonizei várias iniciativas na educação de aproximação com empresas. Desenvolvemos cursos, olhamos para currículos, montamos espaços de prática, todos estes elementos fundamentais para uma formação integral, pessoal e profissional. Entretanto, em parte destas iniciativas, pude perceber necessidades que são um pouco diferentes da proposta educacional integral: as empresas precisam, rapidamente, de pessoas que operem sistemas, softwares, aplicativos relacionados ao seu negócio. E sempre para ontem. “o tempo do mercado é diferente do tempo da academia”. Já ouvi bastante esta frase.
Eu particularmente acredito na importância da formação técnica — especialmente se incluir a competência de aprender a aprender, independente do aplicativo, ou software do momento. Da mesma forma, compreendo a necessidade de aprender a programar hoje em dia. Mas se ali na frente, ou melhor, logo ali, se as máquinas forem melhores do que nós nisso tudo, o que sobra para a humanidade?
Se as máquinas forem mais eficientes e com menor custo, será que o mercado ainda terá interesse em nós, humanos?
Me parece que sim, acredito na manutenção de nossa relevância a partir da compreensão de que devemos formar para a autonomia do ser humano, ampliando competências que nos tornam únicos, mesmo que isso leve mais tempo e que o ser abstrato não perceba antecipadamente essa formação como importante.
Essas competências transformam realidades, a partir de um olhar integral e sistêmico e permitem que coloquemos em prática as nossas múltiplas inteligências. Devemos ampliar as nossas competências humanas e atuar onde quisermos, incluindo o tal mercado.
Resolvi escrever essa breve reflexão porque ontem, enquanto olhava um dos jornais da CNN, escutei frases como: “Os salários estão maiores, mas não tiram o sono do mercado”. “A semana fecha tranquila para o mercado”. “Não teve entusiasmo do mercado.”
O que eu gostaria de ouvir é: “Os salários estão maiores e as pessoas estão mais distantes da linha da pobreza”, “A semana fecha tranquila para a população do nosso país”, “Todos estão entusiasmados com a chegada do final de semana”.
Mas não: só ouvimos frases e sentimentos relacionados a um ente abstrato, que se transformou ao longo do tempo, engolindo espaços sociais e de bem comum.
Agora, com o mundo em chamas, precisamos correr para garantir um futuro para todos.
Esse é o único momento no qual o abstrato mercado silencia. Se torna natureza, apenas o som dos grilos.
Eu acredito na educação como elemento de transformação para que cada um de nós, humanos e com autonomia, possamos escolher os caminhos que queremos. No meu caso, acredito em um caminho que preconiza o bem comum, o cuidado com o coletivo, o impacto no outro.
A educação acaba gerando valor para a própria pessoa, para a sociedade, e pode impactar no bem de todos. Isso não exclui a capacidade de atuação profissional, muito pelo contrário. Mas formar para o mercado, na minha compreensão, é formar para reforçar um sistema excludente e que avança no consumo do planeta. Não dá mais para ser assim. E o mais impressionante: no fundo, todos sabemos disso.
Precisamos seguir com pequenas ações, qualificando as nossas competências e nos tornando humanos melhores com e para os outros. Se fizermos isso, teremos a melhor formação e a autonomia para transformar a nossa vida.