A obsolescência do homem branco
A medida que evoluímos, fica mais evidente que modelos mentais excludentes e únicos não fazem sentido em uma sociedade plural. Em uma sociedade que deveria ser para todos.
Essa reflexão surge a partir da evidência de que aprendemos mais, a partir do diferente. Não consigo imaginar alguém que discorde disso: quando temos pessoas diferentes, com diferentes visões em um espaço, novas ideias aparecem e podemos aprender, se estivermos abertos para isso.
Quando somos todos parecidos, reforçamos as mesmas ideias, e o novo não surge, morre por falta de alimento.
Por conta disso, viver na diversidade deveria ser um princípio comum para todos nós e nos ajudaria a ouvir o outro, refletir, repensar, e construir conhecimento a partir do que Alice e David Kolb chamam de Conversational Learning. Esse processo envolve o giro de nosso conhecimento tácito e a construção de novas possibilidades a partir da explicitação de conhecimentos, da combinação, da reflexão, mas principalmente, da escuta ativa.
Por isso me sinto cada vez menos a vontade em lugares onde somos todos iguais. Em palestras em que concordamos ou discordamos coletivamente, em espaços nos quais optamos por estar com pessoas com as mesmas características que temos, espaços onde deixamos de lado a possibilidade do outro.
Um artifício para minimizar isso, que criamos com o nosso processo de projetar, é a capacidade de empatia. Alguns de nós buscam empatia pelo outro, o que é fundamental, mas percebem isso como suficiente. Não é.
A empatia permite uma compreensão autêntica do outro, da dor de quem não somos, mas essa avaliação repousa na construção mental que fazemos, a qual depende de nossos modelos mentais.
Empatia é um primeiro passo, mas sem o protagonismo real do outro, não existe mudança no processo de projetação, ou mesmo de construção do mundo.
Nesta semana, dois exemplos se destacam para mim como importantes neste contexto. O primeiro é o lançamento do nosso livro, que teve especialmente na Alyne Jobim contribuições fundamentais para além dos nossos modelos mentais. A Alyne é uma mulher negra, empreendedora, inspiradora. Quando falávamos, por exemplo, da importância de largar o emprego se não estamos felizes, pois “um cavalo encilhado passa duas vezes sim”, ela dizia que talvez passe para pessoas como nós (homens brancos), mas não para muitas das pessoas com as quais convive.
São muitas realidades, muitos mundos dentro de um único, e acabamos criando um universo linear e globalizado, com uma visão centrada a partir da perspectiva antropocêntrica e da ideia de que somos humanos dominadores da natureza. Essa visão serve apenas para os humanos realmente dominadores, ou melhor, destruidores da natureza. Não preciso dizer quem são.
O segundo exemplo vem de uma palestra que assisti, que trouxe para a pauta a questão da identidade nos dias de hoje e como essa busca por um reforço identitário pode ser uma armadilha. Uma premissa muito interessante e embasada, mas mais uma vez, para um grupo: eurocêntrico do norte global e branco.
Sinceramente, preciso dizer que a construção do argumento único, discutido a partir de uma visão hegemônica, sem uma escuta ampla ou contraponto, não faz nenhum sentido mais. Assim como não faz mais sentido usarmos apenas autores homens, brancos e do norte global em nossas aulas.
Precisamos quebrar esse ciclo e não isolar identidades, mas dialogar com as diferentes identidades. Pagar, mesmo que parcialmente, as dividas históricas, entender que aprendemos mais com o outro. Compreender que a ciência se faz com todos os tipos de pessoas e não existe motivo para não termos, por exemplo, mais mulheres do que homens em espaços de palestra, nos planos de ensino de nossas aulas, ou liderando espaços nas organizações.
Se nós, que somos dominantes hoje, não nos dermos conta disso, vamos seguir o caminho contínuo e acelerado, da obsolescência.
Talvez não seja a obsolescência absoluta, pois como me alertou o Paulo Bittencourt, enquanto existirem conservas para serem abertas, provavelmente seremos necessários. Mas me parece um escopo limitado de vida, viver para abrir latas.
Melhor abrirmos nossa cabeça enquanto temos tempo.