A nova IA Chinesa

gustavo s de borba
4 min readJan 30, 2025

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Eu realmente me impressiono com o nosso deslumbramento coletivo quando o tema é Inteligência Artificial. Surge uma nova IA Chinesa, o mundo se impressiona. Nos EUA, caem as ações das principais empresas de IA e de tecnologia, afinal, eles deveriam estar na frente nessa corrida. A perplexidade toma conta do planeta: como conseguem realizar a mesma entrega com um percentual bem inferior da necessidade computacional? Como os EUA fará para avançar agora?

E assim seguimos um debate interminável tentando entender o que, de fato, não interessa.

Por trás disso, existe basicamente uma questão econômica: quem leva os lucros do avanço em uma tecnologia que, embora tenha benefícios fantásticos, tem malefícios fundamentais e que podem impactar, ou melhor, impactam, fortemente, os humanos.

Se realmente a IA da China utiliza menos recurso computacional (ao que tudo indica sim), temos aqui uma resposta importante para um dos pontos ruins da IA: o impacto ambiental, que se apresenta através do custo de energia e do consumo de água no planeta[1].

Entretanto, se a IA for “popularizada”, se mais pessoas usarem, se continuar avançando e se tornar tão comum quanto as impressoras de jato de tinta na década de 90, como ficará o consumo dos recursos naturais?

Além disso, a necessidade de melhoria da tecnologia impacta na precarização das relações de trabalho, seja na substituição do humano pela máquina, ou ainda no uso do humano para alimentar a máquina. Isso é o que acontece com os trabalhadores fantasmas, ou operários de dados que “treinam” as IAs e, segundo a BBC, ganham salários muito baixos, em torno de 500 reais por mês [2].

Eu tento me deslocar um pouco do eixo e olhar para o que está acontecendo, me parece que estamos na corrida do ouro nos EUA, voltamos ao século XIX. Parece que temos que correr para tirar mais proveito, ganhar mais investimento, vender mais ações e enriquecer mais, sem levantar da cadeira em que estamos, enquanto olhamos gráficos que apresentam o comportamento do mercado. E com tudo isso, me parece que esquecemos que toda tecnologia ou todo avanço que temos como humanidade deveria servir as pessoas.

Esquecemos como nos comportamos, esquecemos que temos necessidade de interagir, de trabalhar, de viver em sociedade, com outras pessoas. Sim, precisamos ter acesso a tecnologia, mesmo a IA, mas de maneira democrática. E digo isso não sobre o uso de ChatGPT, mas sobre os impactos, por exemplo, deste tipo de tecnologia na educação, na saúde. Precisa ser para todos.

Hoje eu recebi um relatório que descreve uma pesquisa com 2801 educadores sobre criatividade e IA, o relatório chama Creativity with AI: New Report Imagines the Future of Student Success e pode ser acessado no link [3]. O relatório é muito interessante e apresenta um ótimo retrato de como a IA está presente no dia a dia dos estudantes e educadores.

Entretanto, na matéria que li, já na primeira análise descrita, o relatório diz que (tradução minha): “91% dos educadores acreditam que IA criativa promove uma aprendizagem mais profunda, pois permite que os alunos estudem tópicos ou temas a partir de várias perspectivas”.

Eu fico pensando: não era isso que tínhamos quando conseguíamos conversar com pessoas diferentes de nós? Antes de entrarmos em bolhas digitais impenetráveis que se espalham sobre a nossa realidade analógica e social?

Precisamos de uma IA criativa para mudar isso?

Criatividade é uma característica humana, que se estabelece com base no que somos, no que lemos, no que vivemos, no que sentimos, na nossa ambiguidade, na forma como acordamos. Não é uma característica de máquina.

O primeiro mês do ano de 2025 está acabando e os grandes debates, pelo menos na área que atuo, estão relacionados com a IA. Mas na segunda-feira de cada semana que vem pela frente, 30, 40, 50 alunos de diferentes idades vão chegar na escola, na universidade, e interagir com seus colegas e professores.

Como estamos nos preparando para isso?

Sempre foi assim, sempre discutimos novas tecnologias e suas aplicações. E devemos fazer isso, mas é cada vez mais importante pensarmos nas formas como podemos promover o encantamento dos jovens estudantes pelo ato de aprender. Se a tecnologia nos ajudar nisso, perfeito. Mas uma boa pergunta, um debate contextualizado, a escuta sobre o que tem acontecido na vida dos alunos, são caminhos para iniciar uma conversa. E o inicio da conversa é o principal combustível para aprender.

Algumas referências:

[1] Inteligência artificial e nuvem do Google consomem 21 bilhões de litros de água por ano https://exame.com/inteligencia-artificial/inteligencia-artificial-e-nuvem-do-google-consomem-21-bilhoes-de-litros-de-agua-por-ano/

[2] Os brasileiros que ganham R$ 500 por mês para treinar inteligências artificiais: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c511zzgypwdo#:~:text=O%20estudante%20Gustavo%20Luiz%2C%20de,em%20portugu%C3%AAs%E2%80%9D%2C%20conta%20ele.

[3] Creativity with AI: New Report Imagines the Future of Student Success. https://blog.adobe.com/en/publish/2025/01/22/creativity-with-ai-new-report-imagines-the-future-of-student-success

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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