A Inovação pode ser promotora de desigualdade (?)

gustavo s de borba
3 min readNov 29, 2023

Semana passada, enquanto trabalhava no campus da Unisinos Porto Alegre, encontrei alguns alunos da psicologia fazendo um trabalho sobre invisibilidade: buscavam encontrar nas proximidades do campus, pessoas inviabilizadas pelo sistema que vivemos.

Hoje estou aqui em nosso Campus e vejo ao meu lado uma exposição com fotos e narrativas que descrevem a percepção deste grupo de alunos sobre o entorno: o quilombo Kédi, os motoboys que passam na Nilo, as pessoas que cuidam da segurança na escola e na universidade, as pessoas que limpam os espaços coletivos que habitamos.

Cada um destes olhares aponta para um lugar importante que nos ajuda a refletir sobre quem somos.

Fiquei pensando nisso e nas possibilidades que trabalhar com inovação e educação nos dá em termos de impacto nestas realidades. Afinal, é quase bom senso hoje em dia dizer que a educação é um caminho para a redução da desigualdade, ou que a inovação é um veículo para o crescimento. Mas quando penso profundamente sobre estes dois conceitos, depois de mais de 20 anos estudando o tema, me vejo distante destas certezas.

A educação é sim um espaço para a redução da desigualdade. Mas para isso, precisamos pensar em que educação é essa? Isso porque a redução de desigualdade passa, de fato, pelo debate sobre inclusão e equidade.

O que vejo muitas vezes é a ampliação do acesso de pessoas aos espaços educacionais, mas dentro de parâmetros pré-estabelecidos. Podemos pensar, por exemplo, em um programa de inclusão que coloque jovens da periferia com acesso gratuito nas universidades privadas em cursos EAD. Parece uma boa política, de acesso, mas não é uma política de equidade: sabemos que o potencial transformador de um curso presencial é maior, e limitar o acesso a um tipo específico de curso acaba reduzindo o potencial transformador da educação.

Quando falamos sobre inovação, algo semelhante acontece. A inovação é um veículo de transformação, de crescimento, de mudança. Mas em muitas situações tem o potencial de gerar desigualdades. Se pensarmos em produtos de luxo (ou mesmo convencionais), na evolução da tecnologia, nos serviços globais de plataforma, vemos isso: mais acesso para um grupo, mais receita para as empresas, mais crescimento para as cidades, mas em termos práticos, para o cidadão que mais necessita, no máximo um crescimento no número de empregos com menos direitos que os empregos extintos pelo sistema.

Essa breve reflexão me ajuda a compreender que todos os conceitos precisam ser relativizados e muitas vezes possuem arestas que podem se tornar o ponto central de seu desenvolvimento. Inovar ou mesmo Educar, podem ser caminhos para separar, quando não colocamos em primeiro nível no debate conceitos como Diversidade, Equidade e Inclusão.

O papel da educação como elemento de transformação social é gigante. O poder que inovações sociais podem ter em comunidades em termos de desenvolvimento e qualidade de vida também é muito grande. Mas para isso, precisamos compreender que todos temos direito de estar nos espaços que hoje são limitados.

Não podemos avançar num processo de apagamento, de redução do potencial das pessoas, através de projetos que geram resultados para pequenos grupos.

Educar, inovar, são processos de grande impacto e precisam acontecer incluindo espaços periféricos, ou nascendo a partir destes espaços.

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Written by gustavo s de borba

Professor da Unisinos na área de Design. Escrevo aqui sobre o cotidiano, em um diário do período de pandemia, com textos de um ano atrás.

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