35 km
Hoje abro um espaço rápido no dia que se inaugurou com mais uma corrida e se desenvolveu em espaços de conversa aqui pela universidade, para falar sobre o maior treino.
Quando iniciei o meu treinamento para uma maratona, quase seis meses atrás, pensava sempre como seria avançar para tempos e distâncias que nunca tinha percorrido.
Meu limite era 21 km e me apavorava a ideia de colocar em meu plano de treinos distâncias de 25, 30 e 35km, e também treinos longos de 2 horas ou de 2 horas e meia. Cada início de mês, quando recebia a planilha da Rita, ia direto para os 4 sábados para ver as surpresas que estavam por vir.
A primeira vez que fiz 25 km foi mais difícil do que eu esperava. Um treino no calor, com umidade, fez com que essa distância, que parecia “fácil” para mim, se torna-se um verdadeiro desafio. Acontece que temos essa tendência de buscar em nossa memória situações semelhantes para lidar com novas situações. Foi assim que pensei: “se já corri 21, correr 25 vai ser fácil”. Não foi.
Depois foi a vez de vencer a barreira de 2 horas e meia. Parece que quando o relógio é o nosso limitador, o tempo avança devagar. Um sentimento oposto ao que temos quando estamos em férias e vemos o tempo escorrendo entre os dedos. Fiz um treino lento mas bem estruturado, que me levou a cumprir as dois horas e meia, mas terminei com bastante dor.
Estes treinos foram os momentos mais icônicos dos 3 primeiros meses de preparo, mas ai, quando tudo parecia já encaminhado, chegou o momento da verdade.
No quarto mês, março deste ano, vi um treino de 30 km apontar no sábado da terceira semana na nova planilha. Fui dormir na sexta apavorado. Como seria correr essa distância infinita, nunca antes percorrida por mim e com um peso importante para o meu objetivo. No sábado, acordei cedo e fui surpreendido por um clima ameno, sem vento, muito agradável. A Aninha me acompanhou, como faz na maioria dos treinos longos, levando gatorade, gel, água.
Corri leve, como quem encontra um caminho para conversar consigo mesmo e se perde nas boas memórias que todos temos. Na maioria dos 30 km me senti bem, mas nos últimos quatro senti uma dor nova nos pés. Correr é isso, a cada treino descobrimos novas formas de celebrar, mas também de sofrer. Dores que aparecem e se vão, como se fossem fantasmas. Na realidade, talvez sejam fantasmas criados por nossa imaginação. Nesse caso, acabei diminuindo o ritmo e cumprindo a meta dos 30 km em 2 horas e 45 minutos.
Março terminou e recebi a planilha de Abril. Às vezes fico pensando no prazer que provavelmente a Rita tem imaginando nossa reação olhando para esse objeto virtual assustador e cheio de surpresas que ela chama de planilha. Percorri novamente os sábados e vi, logo no inicio do mês, os temidos 35km.
Fiquei assustado, pois essa distância significava 3 coisas: percorrer uma quilometragem inédita para mim; romper a barreira das 3 horas correndo; e por fim, a aceleração do medo de me machucar e não conseguir fazer a maratona.
O treino estava marcado para o dia 6, sábado. Me dei conta que as aulas que ministro no mestrado começariam naquele sábado e pensei: vou poder adiar para a outra semana esse momento de dor. Mas a Rita sugeriu que eu antecipasse. Como sou um bom aluno, antecipei.
Hoje acordei às 5 horas. Tomei um rápido café pensando e percorrendo meu corpo buscando potenciais dores para evitar esse momento: mais de 3 horas correndo sozinho iniciando na madrugada de Porto Alegre. Não encontrei nada, e às 5:45 acabei saindo de casa.
Coloquei meus fones, e como ontem a Maglore lançou a versão acústica da música Invejosa, comecei com essa e percorri a discografia deles durante todo o treino. Um baita prazer ouvir essas canções. Teago Oliveira cantando “hoje eu me sinto bem mais forte, minha dor já virou sorte, vou buscando proteção, pra dar de pau em moleque”, essa letra me pega e me ajuda a explodir a cada passada.
Logo na saída percebi que o tempo não estava tão bom. Fazia 24 graus celsius e dava pra sentir a umidade no ar. Transpirei mais do que o normal e senti desde o início o peso de minhas pernas.
Pensei que a única forma de dar conta de uma distância longa era decompor ela em pequenos movimentos, como se fossem partes de uma mesma sinfonia, com ritmo e intensidade diferentes. De casa até a usina do gasômetro: 5km. Do gasômetro até o Pontal: 6,3 km. Do pontal até a padaria Bassani: 5,2 km. Assim percorri os primeiros 16,5 km de ida em direção a zona sul. Vi o sol nascer, e meu corpo foi se adaptando ao ritmo e as passadas firmes que tentava dar para cumprir essa contagem regressiva dos 35 km.
Quando virei para voltar, passando no Timbuca, senti a primeira puxada na panturrilha. Uma dor profunda, como uma agulha, mas rápida. Segui correndo e uns 100 metros depois, senti de novo. Parei por um minuto, fiz uma rápida massagem, baixei a meia de compressão e segui um pouco mais lento. Nos 4 km subsequentes senti ainda, mas cada vez em intervalos mais espaçados. A cada música que passava eu sentia mais confiança que conseguiria chegar ao final.
Avancei na volta um pouco mais lentamente, mas fazendo o mesmo trajeto, acabei chegando na redenção com 32,4 km. Faltavam menos de 3 km, uma distância quase infinita para quem está com o corpo cansado. Mas eu não estava. Entrei nesse lugar que é a minha casa e me senti desfilando pelos caminhos que conheço no detalhe. Corri entre as árvores, com uma chuva fina e refrescante, até fechar os 35 km. Assim que terminei, após alongar, fui para a lancheria do parque repor as proteínas e energia, e lá encontrei uma das pessoas que me fez correr, o amigo Filipe Campelo. Na realidade o apoio dele, da Clarinha, que desde o primeiro dia resolveu me ajudar e da Aninha, que me acompanha e torna possível os treinos, são fundamentais para que eu siga correndo.
No campo profissional, o Picarelli até a pandemia, e agora nesse plano de maratona a Rita, são os grandes heróis. A Rita tem me ajudado a entender melhor meu corpo e encontrar a melhor forma de vencer as barreiras impostas pela distância e também me apresentou pessoas que fazem parte do meu treino, mesmo que às vezes façamos os treinos em momentos separados: Bibiana, Fabricio, Will, Sérgio, entre outras pessoas que estão se desafiando para cumprir a meta de correr uma maratona.
Esse foi o último treino mais longo.
Agora são 3 semanas de treinos mais amenos, para chegar no dia da corrida. Essa, vai inaugurar algo novo: superar a distância de 42km e seguir correndo por mais tempo, mais do que as atuais 3 horas e 10 minutos que corri hoje.
Vai ser um belo desafio, que vou fazer com as minhas 3 princesas por perto. Quando elas estão juntas, fica muito mais fácil.